Na matéria anterior, sobre drogas,
entrevistamos João Blota, o homem que venceu a luta contra o Crack. Autor de um
livro autobiográfico, João Blota é uma das raras exceções de pessoas que
conseguem vencer o vício depois de já estarem no fundo do poço. Como ele bem
disse na entrevista, o problema com a droga só muda de endereço e personagem. A
droga atinge todas as classes sociais. O tráfico é um dos negócios mais
lucrativos do mundo, financiando poderes paralelos, como facções criminosas e
terroristas mundo afora.
Há quem diga que a
descriminalização da droga acabaria com esses poderes paralelos. Em alguns
países, como Holanda e EUA, a maconha, por exemplo, já é encontrada em
comércios legalizados. Na Holanda pode-se fumar um baseado tranquilamente e nos
EUA há até refrigerantes da erva. Mas a pergunta é: será que a droga só produz
o traficante? Não. A droga, mesmo sem o traficante, produz a dependência e o
inferno de quem a usa. Dependência psíquica e física. A droga destrói
casamentos, destrói a relação de pais e filhos, destrói a família. Não
precisamos de dados estatísticos para constatar os males que a droga causa.
Basta ter contato com um aluno- como eu já tive durante estágios na escola-
usuário de maconha. Sua capacidade cognitiva decresce, seu raciocínio fica
lento. Basta ter contato com um aluno que perdeu a mãe que era usuária de
crack, e ver em seus olhos a tristeza em não ter mais os pais por perto. Tudo
por conta de uma pedrinha feita com um pozinho branco.
Só quem convive com viciados sabe
os males que a droga causa. Não precisamos das armas do traficante para
transformarmos o mundo num caos. Basta apenas distribuir legalmente os pós e as
ervas da morte. Ao fazermos isso, lotaremos as clínicas de dependentes
químicos, deixaremos milhares e milhares de crianças órfãs, criaremos uma
sociedade escravizada na sua própria mente. Uma sociedade que trocará o dia
pela noite, em que de dia dormirá e à noite vai cheirar os pós e as ervas da
morte. Imagine um mundo onde a droga seja encontrada em supermercados e
farmácias. Pense nisso.
Hoje entrevistaremos o policial
Matheus Pereira Guimarães. Matheus é escrivão na Delegacia de Polícia Civil de
Camanducaia, mas também realiza interrogatórios quando o delegado não o faz. Procuraremos
compreender o problema das drogas na visão de um agente social que tem como
finalidade combater atos ilícitos, como o tráfico.
DANILO
SANTOS: Matheus,
primeiramente obrigado por estar me cedendo esta entrevista. Nossa intenção é
levar informação às pessoas que convivem com os problemas ocasionados pelas
drogas. Bom, para iniciar, gostaria de saber se no seu cotidiano de trabalho
aparecem muitos casos de sujeitos envolvidos com o tráfico de drogas aqui em
Camanducaia.
MATHEUS
GUIMARÃES:
Bom dia Danilo. Eu que agradeço a oportunidade de contribuir de alguma forma
com um tema imensamente sério que atinge todas as camadas de nossa sociedade e
gera grande impacto, de uma forma ou outra, sobre todos nós. Sim. Há muitos
indivíduos envolvidos com o tráfico de drogas, não sendo raras as ocorrências
neste sentido, geralmente envolvendo adolescentes, facilmente atraídos para o
tráfico pela inimputabilidade que lhes é conferida pela legislação penal, por
estarem em uma fase em que se encontram mais suscetíveis a novas experiências,
positivas ou negativas, sendo facilmente “convencidos” pelos verdadeiros
traficantes e pela relativa rentabilidade conferida pelo tráfico de drogas. Há,
contudo, pelo menos em Camanducaia, poucos traficantes de maior porte, que
fazem do tráfico de drogas uma escolha de vida e, ainda assim, não possuem
nenhum poder financeiro e militar, como ocorre nas grandes cidades
metropolitanas. O que se tem é uma imensa gama de pequenos traficantes, fato
que facilita a disseminação das drogas e dificulta o trabalho da polícia.
DANILO
SANTOS: Durante
o meu período de estágio nas escolas, pude testemunhar a facilidade com que as
drogas entram nessas instituições. Ao questionar os professores sobre isso,
eles me diziam que não tomavam nenhuma iniciativa por medo de represálias por
parte dos traficantes. Por acaso no seu trabalho aparecem casos de problemas
com drogas em escolas? Cite os problemas e as drogas mais comuns em ralação ao
espaço escolar.
MATHEUS
GUIMARÃES:
Sim. Infelizmente os jovens estão tendo contato cada vez mais cedo com as
drogas e, para muitos, o primeiro contato ocorre justamente nas escolas. Começam
a fazer uso de maconha, posteriormente ingressam no uso da cocaína e, na pior
das hipóteses, tornam-se viciados em crack. Assim sendo, embora ainda seja
pequeno o uso e venda de drogas nas escolas, comparando com toda a gama de
ocorrências relacionadas à entorpecentes, este número vem crescendo cada vez
mais. Há de se frisar que somente uma parcela dos casos de drogas nas escolas
efetivamente chegam ao conhecimento da polícia, o que não é diferente nos
demais casos de tráfico de drogas.
DANILO
SANTOS: Você
poderia nos citar quais os espaços urbanos mais comuns aqui em Camanducaia onde
se dão a maioria das ocorrências relacionadas às drogas? O que você sugere para
sanar o problema?
MATHEUS
GUIMARÃES: Os
maiores pontos situam-se nas proximidades do “Bar do Moraes”, da “Lanchonete
Nova Era”, do “Bar do Gaúcho” e nas tradicionais zonas periféricas da cidade:
Bairro do Cruzeiro, Cemitério e da Uzina. Sugiro a instalação de câmeras de
segurança em locais estratégicos, conhecidos pela venda e consumo de drogas,
como medida preventiva, além de mais iluminação; maior rigor da Prefeitura Municipal
no momento de concessão do alvará de funcionamento em estabelecimento em que é
popularmente sabida a ocorrência de venda e consumo de drogas e; maior efetividade
por parte da Polícia Militar na prevenção e fiscalização dos aludidos locais e
da Polícia Civil na investigação dos crimes relacionados a entorpecentes;
realização de campanhas de conscientização das polícias Civil e Militar e do
poder público executivo, principalmente nas escolas.
DANILO
SANTOS: As
festas “raves” são muito conhecidas pelo alto consumo de cocaína e ecstasy.
Aqui em Camanducaia são raras, porém já foram realizadas algumas. São festas
nas quais o uso do ecstasy e cocaína faz com que o sujeito beba grande
quantidade de água e bebidas alcoólicas, favorecendo assim lucros para os
organizadores dessas festas. Neste sentido, a polícia toma alguma iniciativa em
relação à fiscalização? Essa fiscalização se dá antes, durante ou depois do
evento?
MATHEUS
GUIMARÃES:
É dever da polícia e dos órgãos do poder executivo realizarem a fiscalização
antes, durante e depois do evento na seguinte lógica: A prefeitura municipal e
o corpo de bombeiros analisam se estão presentes todos os requisitos legais e
de segurança, a Polícia Militar realiza o trabalho ostensivo, preventivo
fardado, para evitar a ocorrência de infrações durante o evento e a Polícia Civil
realiza o trabalho de investigação, após a ocorrência do evento, de fatos de interesse
criminal. Como eu conheço apenas uma festa Rave que se deu aqui em Camanducaia,
antes do período em que ingressei na Polícia Civil, não sei informar se essa
fiscalização realmente ocorreu.
DANILO
SANTOS: Durante
a sua formação na polícia, você teve treinamento para reconhecer sujeitos
suspeitos de envolvimento com o tráfico ou como usuários. Você poderia citar
algumas dicas sobre isso, com o intuito de informar os pais e a sociedade?
Quais são as pistas encontradas tanto em sujeitos que traficam como em
usuários?
MATHEUS
GUIMARÃES: Os
suspeitos, na visão da polícia, são pessoas que costumam freqüentar locais
conhecidos como ponto de tráfico de drogas, que já tenham passagem pela
polícia, que se comportam com “nervosismo excessivo” com a presença da polícia
e que não estejam trabalhando, embora muitos traficantes têm o tráfico como
fonte de renda secundária. Quanto aos sinais característicos dos usuários,
depende da droga que estão usando. Embora não haja fórmula precisa, os sinais são
observados, sobretudo, na mudança de comportamento, que como já dito depende do
tipo e quantidade de droga consumida. De maneira geral passam a ter como amigos
pessoas com envolvimento com o tráfico ou consumo de drogas, valendo a máxima
popular “diga com quem tu andas que eu te direi quem tu és”; também freqüentam
locais de uso e tráfico de drogas e se apresentam nervosos na presença da
polícia (quando estão portando drogas para consumo); tornam-se dispersos e com
pouca capacidade de concentração (uso de maconha) ou agressivos e agitados (uso
de crack e cocaína). Os usuários de “crack”, droga altamente viciante e barata,
já difundida em todas cidades brasileiras, além da pouca capacidade de
concentração, agressividade, agitação, começam a perder peso, pois a droga tira
a fome, e quase na totalidade dos casos, praticam pequenos furtos para
sustentarem o vício, que se iniciam na própria residência do usuário. Como os
sinais podem ser extremamente sutis cabe aos pais ficarem atentos às mudanças
repentinas de comportamento de seus filhos, sobretudo na adolescência.
DANILO
SANTOS:
Em caso de suspeita de tráfico nas nossas ruas, como devemos proceder ao
denunciar sem sofrermos represálias por parte dos traficantes? A nossa
identidade é protegida pela polícia?
MATHEUS
GUIMARÃES:
Existe o telefone 181 do Disque Denúncia, em que é possível a notificação do
fato criminoso sem a necessidade de identificação. Também é possível procurar a
Polícia Civil e solicitar o sigilo, em uma conversa informal, no momento em que
se noticia o fato criminoso. Esta “denúncia anônima” permite que os policiais
civis passem a investigar o suposto traficante através de diligências
preliminares, que pode ocasionar em Inquérito Policial. Também é possível que a
informação seja levada informalmente à Polícia Militar, que dará mais “atenção”
ao suposto traficante, dando busca pessoal se conveniente.
DANILO
SANTOS: Matheus,
muito obrigado pela entrevista que nos cedeu. Muito obrigado também à Polícia
Civil de Camanducaia, que te autorizou a nos passar essas informações.
MATHUES
GUIMARÃES:
O prazer foi meu Danilo. Estou à disposição para maiores questionamentos.
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