terça-feira, 13 de maio de 2014

EXISTE UM PROJETO VIÁVEL ÀS ESQUERDAS NO BRASIL?

Por: Danilo Santos

INTRODUÇÃO

A minha intenção em escrever este artigo é induzir um debate sério para compreendermos melhor a conjuntura atual, tanto política, quanto social e econômica no Brasil. Vemos atualmente no Brasil debates acalorados, mas nem sempre frutíferos entre a Esquerda e a Direita. Mas será que existe de fato uma Esquerda no Brasil? E se existe, qual é o projeto de Revolução dessa Esquerda?

Para melhor enriquecer esta discussão, vou abordar resumidamente 4 intérpretes brasileiros, respeitando a historicidade de suas obras: Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso.

N.W Sodré

Indo direto ao assunto, Sodré era do PCB e escreveu sobre a Tese Feudal. Sodré faz parte da categoria mais ortodoxa do marxismo (1920-1950). Importou métodos teóricos do marxismo lininismo/stalinismo. Ao analisar o Brasil, Sodré postulou que o entrave para o seu desenvolvimento e a Revolução, era o latifúndio. Para Sodré, a esquerda deveria se aliar à burguesia industrial para derrotar o latifúndio.

Sodré era da opinião de que o latifúndio, uma estrutura feudal, era o grande inimigo da burguesia industrial. A burguesia industrial, aliada ao proletariado, seria a única capaz de proteger a economia nacional do Imperialismo. O latifúndio seria aliado do Imperialismo. Num dado momento, com uma burguesia industrial consistente e já tendo derrotado o latifúndio, o proletariado seria o responsável pela Revolução Socialista. Após a estabilidade, a Revolução. Os interesses da burguesia industrial, para Sodré, estaria em consonância aos interesses do proletariado. Ambos queriam derrubar as forças conservadoras ligadas ao latifúndio e ao Imperialismo.

Caio Prado Jr.

Tendo Sodré como interlocutor, C.P Jr. irá contestar a Tese Feudal. Numa análise mais economicista, C.P Jr. dirá que no Brasil nunca houve feudalismo. Sempre houve relações capitalistas, sendo o próprio latifúndio inserido dentro das relações capitalistas. Logicamente que este olhar economicista de C.P Jr. é equivocado, pois ele exclui da sua análise aspectos culturais. Mas não entrarei neste assunto. O importante aqui é fazer uma comparação entre Sodré e Caio Prado.

Caio Prado já é menos otimista em relação a Sodré. Para ele, a burguesia industrial seria aliada aos conservadores, ao imperialismo e ao latifúndio, e não ao proletariado. Caio Prado diz que ao importar teorias que não se encaixam à realidade brasileira, Sodré cometeu um erro teórico que colocou em xeque a ação da Esquerda. De certa forma Caio Prado estava certo, pois em 1964 a burguesia industrial aliou-se às hipotéticas estruturas rivais do proletariado: ao latifúndio e ao Imperialismo. O capitalismo seria uma força que se adapta às realidades estruturais vigentes. Aqui no Brasil se adaptou à mentalidade conservadora e ao latifúndio. Para a burguesia não interessa a igualdade social, não interessa se politicamente um país é atrasado. O que interessa à burguesia é saber jogar dentro dessas estruturas para acumular dinheiro, por isso a burguesia coexistiu com o coronelismo e com o imperialismo. O próprio latifúndio estaria inserido dentro das relações capitalistas, e não feudais, como pensava Sodré. Isso porque o latifúndio sempre manteve relações comerciais exteriores. Caio Prado fala também do desenvolvimento industrial financiado pelos plantadores de café do Oeste Paulista. Resumindo, Caio Prado não vê a burguesia como aliada direta do proletariado e inimiga do latifúndio. Ela coexistiu com ele e se beneficiou dessa coexistência.

O próprio conceito de Revolução de Caio Prado é diferente ao de Sodré. Sodré via a Revolução como realizável num evento específico, no momento em que a burguesia e proletariado entrassem em choque direto com o latifúndio e o Imperialismo. Para Caio Prado, a Revolução deveria ser a longo prazo, com mudanças estruturais, e não num evento específico. E para que essa Revolução fosse viável, deveria haver melhor conhecimento da realidade brasileira. Era preciso estudar o passado de todas as estruturas para diagnosticar as continuidades e mudanças que ocorreram com o tempo. Era preciso que houvesse uma junção mais coerente entre teoria e ação, a teoria orientando a ação. Por isso a teoria teleológica de Sodré estava totalmente desconexa da realidade brasileira, pois estava orientando uma ação ao lado de uma estrutura que não era nem um pouco aliada ao proletariado.

Florestan Fernandes

Com o golpe de 1964, marxistas da linha de Sodré/PCB pagariam caro por terem empregado uma teoria que orientou mal a ação da Esquerda. Um dos ferrenhos críticos de Sodré seria Florestan Fernandes. Florestan Fernandes faz uma análise de Sodré quase parecida com a de Caio Prado. A diferença é que Fernandes trabalha melhor a teoria do que o Caio Prado. Ele demonstra os equívocos teóricos de Caio Prado, mas não entrarei neste tema porque não é fundamental neste artigo.

Para Florestan Fernandes, era essencial a ascensão da burguesia nacional para o Brasil se desenvolver. Primeiro ela deveria se libertar das forças que impediam o capitalismo, citando como exemplo a submissão à metrópole. A chegada da Família Real foi um dos primeiros eventos que favoreceram os interesses capitalistas, depois a Independência. A própria Independência representou os interesses da burguesia, mas esta ainda estava a mercê dos conservadores. A primeira Constituição do Brasil Independente corresponde aos interesses capitalistas e burgueses, mesmo que sendo apenas discursivamente. Na teoria o país adotava um discurso liberal, porém na prática faltava muito ainda para se tornar viável ao desenvolvimento capitalista. O próprio José Bonifácio reconheceu esta dificuldade, pois teoricamente era contra a escravidão, mas na prática era impossível aboli-la de imediato, levando em conta a realidade brasileira em todos os aspectos.

Florestan Fernandes analisa a evolução da burguesia. Analisa os eventos em que ela soube jogar sabiamente dentro das estruturas políticas em distintas realidades: às vezes se aliando aos conservadores, às vezes coexistindo e em alguns momentos entrando em choque direto. Faz um elogio às ações da burguesia no seu processo revolucionário. O que Florestan Fernandes não se conforma é o porque da burguesia ter se aliado ao Imperialismo. A burguesia, se quisesse, poderia e tinha condições de fazer importantes reformas estruturais na política, na economia e no social. Bom, agora vamos falar resumidamente de FHC.

Fernando Henrique Cardoso

Fernando Henrique Cardoso responderá às perguntas de Florestan Fernandes. FHC já vê a situação do golpe não com muito pessimismo, mas com otimismo. Para FHC, nunca houve uma burguesia nacional, uma classe que se identificasse em luta contra o Imperialismo e em favor da economia interna. Para FHC, a burguesia queria era se internacionalizar, pois isso faz parte da lógica capitalista. Faz parte do desenvolvimento capitalista relações internacionais.

FHC utiliza muito bem a Dialética marxista para compreender a realidade brasileira. Ele considera arcaica aquela discussão das esquerdas que pregavam a luta armada. FHC vê o nacionalismo como um discurso atrasado, levando em consideração a realidade do Brasil e da América Latina na década de 1960. Para ele, era impossível se desenvolver sem se tornar dependente do capital externo. Ele postulou a Teoria da Dependência & Desenvolvimento. Dentro da lógica da dependência, seria possível aumentar o desenvolvimento. Os países que se fechassem ao capital estrangeiro teriam dificuldades para se desenvolver.

Nota-se em FHC um pesquisador que se apaixonou pelo seu objeto de estudo. Recebeu pesadas críticas de Florestan Fernandes, seu antigo orientador, por falar em nome da burguesia. Ao tentar compreender a burguesia, FHC passou para outro lado da luta. Viu na dependência ao Imperialismo chances de desenvolvimento. Um país para se desenvolver precisa de capital na infra-estrutura, no desenvolvimento da Ciência e etc. Em certo momento, FHC vem em favor de Sodré, quando diz que houve sim uma aliança da burguesia ao proletariado contra o latifúndio. Cita como exemplo as décadas de 30 e 40, quando a burguesia ainda não se tornara forte e internacionalizada e queria acabar com o poder das oligarquias na política. Com a Revolução de 1930 e a crise internacional por conta da 2ª Guerra, a burguesia usou o Estado para benefício próprio. Com a vitória sobre as oligarquias, coexistiu com elas. Conforme foi cada vez mais se adaptando à Globalização, para a burguesia não interessa mais os discursos nacionalistas. Isso explica a queda de Vargas e de demais presidentes populistas. A burguesia quer o Estado livre para o capital internacional e será autoritária contra os que fazem discursos protecionistas.
Para FHC, cabe às classes oprimidas fazer igual a burguesia e saber jogar, mas para isso há que se conhecer, compreender as regras do jogo. Por isso é contra as teorias que não correspondem às realidades em jogo.

Considerações

Fiz o possível para enxugar e simplificar o texto. Nem coloquei aqui as citações, mas colocarei na bibliografia o pesquisador que orientou este artigo.

Em minha opinião, FHC é o mais lúcido no que diz respeito à análise da realidade brasileira. Ele faz um diagnóstico perfeito do contexto de 1960/70. O problema é que as classes dominantes souberam usufruir melhor dessas análises para seu próprio bem. O Estado é corporativo e burguês. Para este Estado não interessa a diminuição das desigualdades sociais. Não interessa às corporações hospitais e escolas públicas de qualidade. Quanto mais austeridade, melhor. O Estado só deve servir às corporações. Foi assim na crise de 2008 nos EUA, quando o Estado bancou a dívida dos bancos e especuladores: 900 bilhões de Dólares. Portanto, aquela velha discussão sobre defesa da economia nacional me parece fora da realidade em que vivemos. Cabe aos novos pesquisadores pensarem em outros meios e teorias que coloquem as classes oprimidas dentro de uma ação mais viável dentro da lógica capitalista. Estamos dentro do capitalismo e não há dentro desta lógica nenhuma probabilidade de sucesso o velho discurso revolucionário das décadas de 40/50/60. É isso que FHC quis dizer.

Logicamente que pensar num projeto que oriente a ação implica um conhecimento profundo do presente e do passado. Como bem disse Caio Prado, é uma revolução a longo prazo. Não é uma mera troca de presidente que irá mudar a situação do Brasil. São mudanças estruturais que visem melhor participação dos excluídos do sistema. É preciso saber jogar com as armas que se têm em mãos. É preciso saber se situar no campo de batalha.  

BIBLIOGRAFIA


REIS, José Carlos. As Identidades do Brasil: De Varnhagen a FHC. 9ª ed. FGV, 1999.