Por: Danilo Santos
INTRODUÇÃO
A minha intenção em escrever este
artigo é induzir um debate sério para compreendermos melhor a conjuntura atual,
tanto política, quanto social e econômica no Brasil. Vemos atualmente no Brasil
debates acalorados, mas nem sempre frutíferos entre a Esquerda e a Direita. Mas
será que existe de fato uma Esquerda no Brasil? E se existe, qual é o projeto
de Revolução dessa Esquerda?
Para melhor enriquecer esta
discussão, vou abordar resumidamente 4 intérpretes brasileiros, respeitando a
historicidade de suas obras: Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Florestan
Fernandes e Fernando Henrique Cardoso.
N.W Sodré
Indo direto ao assunto, Sodré era
do PCB e escreveu sobre a Tese Feudal. Sodré faz parte da categoria mais
ortodoxa do marxismo (1920-1950). Importou métodos teóricos do marxismo
lininismo/stalinismo. Ao analisar o Brasil, Sodré postulou que o entrave para o
seu desenvolvimento e a Revolução, era o latifúndio. Para Sodré, a esquerda
deveria se aliar à burguesia industrial para derrotar o latifúndio.
Sodré era da opinião de que o
latifúndio, uma estrutura feudal, era o grande inimigo da burguesia industrial.
A burguesia industrial, aliada ao proletariado, seria a única capaz de proteger
a economia nacional do Imperialismo. O latifúndio seria aliado do Imperialismo.
Num dado momento, com uma burguesia industrial consistente e já tendo derrotado
o latifúndio, o proletariado seria o responsável pela Revolução Socialista.
Após a estabilidade, a Revolução. Os interesses da burguesia industrial, para
Sodré, estaria em consonância aos interesses do proletariado. Ambos queriam
derrubar as forças conservadoras ligadas ao latifúndio e ao Imperialismo.
Caio Prado Jr.
Tendo Sodré como interlocutor, C.P
Jr. irá contestar a Tese Feudal. Numa análise mais economicista, C.P Jr. dirá
que no Brasil nunca houve feudalismo. Sempre houve relações capitalistas, sendo
o próprio latifúndio inserido dentro das relações capitalistas. Logicamente que
este olhar economicista de C.P Jr. é equivocado, pois ele exclui da sua análise
aspectos culturais. Mas não entrarei neste assunto. O importante aqui é fazer
uma comparação entre Sodré e Caio Prado.
Caio Prado já é menos otimista em
relação a Sodré. Para ele, a burguesia industrial seria aliada aos
conservadores, ao imperialismo e ao latifúndio, e não ao proletariado. Caio
Prado diz que ao importar teorias que não se encaixam à realidade brasileira,
Sodré cometeu um erro teórico que colocou em xeque a ação da Esquerda. De certa
forma Caio Prado estava certo, pois em 1964 a burguesia industrial aliou-se às
hipotéticas estruturas rivais do proletariado: ao latifúndio e ao Imperialismo.
O capitalismo seria uma força que se adapta às realidades estruturais vigentes.
Aqui no Brasil se adaptou à mentalidade conservadora e ao latifúndio. Para a
burguesia não interessa a igualdade social, não interessa se politicamente um
país é atrasado. O que interessa à burguesia é saber jogar dentro dessas
estruturas para acumular dinheiro, por isso a burguesia coexistiu com o
coronelismo e com o imperialismo. O próprio latifúndio estaria inserido dentro
das relações capitalistas, e não feudais, como pensava Sodré. Isso porque o
latifúndio sempre manteve relações comerciais exteriores. Caio Prado fala
também do desenvolvimento industrial financiado pelos plantadores de café do Oeste
Paulista. Resumindo, Caio Prado não vê a burguesia como aliada direta do
proletariado e inimiga do latifúndio. Ela coexistiu com ele e se beneficiou
dessa coexistência.
O próprio conceito de Revolução de
Caio Prado é diferente ao de Sodré. Sodré via a Revolução como realizável num
evento específico, no momento em que a burguesia e proletariado entrassem em choque
direto com o latifúndio e o Imperialismo. Para Caio Prado, a Revolução deveria
ser a longo prazo, com mudanças estruturais, e não num evento específico. E
para que essa Revolução fosse viável, deveria haver melhor conhecimento da
realidade brasileira. Era preciso estudar o passado de todas as estruturas para
diagnosticar as continuidades e mudanças que ocorreram com o tempo. Era preciso
que houvesse uma junção mais coerente entre teoria e ação, a teoria orientando
a ação. Por isso a teoria teleológica de Sodré estava totalmente desconexa da
realidade brasileira, pois estava orientando uma ação ao lado de uma estrutura
que não era nem um pouco aliada ao proletariado.
Florestan Fernandes
Com o golpe de 1964, marxistas da linha
de Sodré/PCB pagariam caro por terem empregado uma teoria que orientou mal a
ação da Esquerda. Um dos ferrenhos críticos de Sodré seria Florestan Fernandes.
Florestan Fernandes faz uma análise de Sodré quase parecida com a de Caio
Prado. A diferença é que Fernandes trabalha melhor a teoria do que o Caio
Prado. Ele demonstra os equívocos teóricos de Caio Prado, mas não entrarei
neste tema porque não é fundamental neste artigo.
Para Florestan Fernandes, era
essencial a ascensão da burguesia nacional para o Brasil se desenvolver.
Primeiro ela deveria se libertar das forças que impediam o capitalismo, citando
como exemplo a submissão à metrópole. A chegada da Família Real foi um dos
primeiros eventos que favoreceram os interesses capitalistas, depois a Independência.
A própria Independência representou os interesses da burguesia, mas esta ainda
estava a mercê dos conservadores. A primeira Constituição do Brasil
Independente corresponde aos interesses capitalistas e burgueses, mesmo que
sendo apenas discursivamente. Na teoria o país adotava um discurso liberal,
porém na prática faltava muito ainda para se tornar viável ao desenvolvimento
capitalista. O próprio José Bonifácio reconheceu esta dificuldade, pois
teoricamente era contra a escravidão, mas na prática era impossível aboli-la de
imediato, levando em conta a realidade brasileira em todos os aspectos.
Florestan Fernandes analisa a
evolução da burguesia. Analisa os eventos em que ela soube jogar sabiamente
dentro das estruturas políticas em distintas realidades: às vezes se aliando aos
conservadores, às vezes coexistindo e em alguns momentos entrando em choque
direto. Faz um elogio às ações da burguesia no seu processo revolucionário. O
que Florestan Fernandes não se conforma é o porque da burguesia ter se aliado
ao Imperialismo. A burguesia, se quisesse, poderia e tinha condições de fazer
importantes reformas estruturais na política, na economia e no social. Bom,
agora vamos falar resumidamente de FHC.
Fernando Henrique Cardoso
Fernando Henrique Cardoso
responderá às perguntas de Florestan Fernandes. FHC já vê a situação do golpe
não com muito pessimismo, mas com otimismo. Para FHC, nunca houve uma burguesia
nacional, uma classe que se identificasse em luta contra o Imperialismo e em
favor da economia interna. Para FHC, a burguesia queria era se
internacionalizar, pois isso faz parte da lógica capitalista. Faz parte do
desenvolvimento capitalista relações internacionais.
FHC utiliza muito bem a Dialética
marxista para compreender a realidade brasileira. Ele considera arcaica aquela
discussão das esquerdas que pregavam a luta armada. FHC vê o nacionalismo como
um discurso atrasado, levando em consideração a realidade do Brasil e da
América Latina na década de 1960. Para ele, era impossível se desenvolver sem
se tornar dependente do capital externo. Ele postulou a Teoria da Dependência
& Desenvolvimento. Dentro da lógica da dependência, seria possível aumentar
o desenvolvimento. Os países que se fechassem ao capital estrangeiro teriam
dificuldades para se desenvolver.
Nota-se em FHC um pesquisador que
se apaixonou pelo seu objeto de estudo. Recebeu pesadas críticas de Florestan
Fernandes, seu antigo orientador, por falar em nome da burguesia. Ao tentar
compreender a burguesia, FHC passou para outro lado da luta. Viu na dependência
ao Imperialismo chances de desenvolvimento. Um país para se desenvolver precisa
de capital na infra-estrutura, no desenvolvimento da Ciência e etc. Em certo momento,
FHC vem em favor de Sodré, quando diz que houve sim uma aliança da burguesia ao
proletariado contra o latifúndio. Cita como exemplo as décadas de 30 e 40,
quando a burguesia ainda não se tornara forte e internacionalizada e queria
acabar com o poder das oligarquias na política. Com a Revolução de 1930 e a crise
internacional por conta da 2ª Guerra, a burguesia usou o Estado para benefício
próprio. Com a vitória sobre as oligarquias, coexistiu com elas. Conforme foi
cada vez mais se adaptando à Globalização, para a burguesia não interessa mais
os discursos nacionalistas. Isso explica a queda de Vargas e de demais
presidentes populistas. A burguesia quer o Estado livre para o capital
internacional e será autoritária contra os que fazem discursos protecionistas.
Para FHC, cabe às classes oprimidas
fazer igual a burguesia e saber jogar, mas para isso há que se conhecer,
compreender as regras do jogo. Por isso é contra as teorias que não
correspondem às realidades em jogo.
Considerações
Fiz o possível para enxugar e
simplificar o texto. Nem coloquei aqui as citações, mas colocarei na
bibliografia o pesquisador que orientou este artigo.
Em minha opinião, FHC é o mais
lúcido no que diz respeito à análise da realidade brasileira. Ele faz um
diagnóstico perfeito do contexto de 1960/70. O problema é que as classes
dominantes souberam usufruir melhor dessas análises para seu próprio bem. O
Estado é corporativo e burguês. Para este Estado não interessa a diminuição das
desigualdades sociais. Não interessa às corporações hospitais e escolas
públicas de qualidade. Quanto mais austeridade, melhor. O Estado só deve servir
às corporações. Foi assim na crise de 2008 nos EUA, quando o Estado bancou a
dívida dos bancos e especuladores: 900 bilhões de Dólares. Portanto, aquela
velha discussão sobre defesa da economia nacional me parece fora da realidade
em que vivemos. Cabe aos novos pesquisadores pensarem em outros meios e teorias
que coloquem as classes oprimidas dentro de uma ação mais viável dentro da
lógica capitalista. Estamos dentro do capitalismo e não há dentro desta lógica
nenhuma probabilidade de sucesso o velho discurso revolucionário das décadas de
40/50/60. É isso que FHC quis dizer.
Logicamente que pensar num projeto
que oriente a ação implica um conhecimento profundo do presente e do passado.
Como bem disse Caio Prado, é uma revolução a longo prazo. Não é uma mera troca
de presidente que irá mudar a situação do Brasil. São mudanças estruturais que
visem melhor participação dos excluídos do sistema. É preciso saber jogar com
as armas que se têm em mãos. É preciso saber se situar no campo de batalha.
BIBLIOGRAFIA
REIS,
José Carlos. As Identidades do Brasil: De
Varnhagen a FHC. 9ª ed. FGV, 1999.