terça-feira, 11 de novembro de 2014

GENTIL FARIA DIAS E A LUTA PELA CIDADANIA EM CAMANDUCAIA/MG

Por: Danilo Santos

Gostaria de advertir aos leitores que este texto não é uma biografia. Para que fosse uma biografia, eu precisaria de várias fontes as quais não tive acesso, como documentos familiares, por exemplo. Minha intenção é discutir a luta pela cidadania em Camanducaia, tendo Gentil Faria Dias como um dos sujeitos históricos muito citado por homens e mulheres, que, em suas memórias, narram como saíram de situações marginalizadas e conquistaram direitos políticos e sociais. 

Em outubro de 2011, realizei uma entrevista com Gentil Faria Dias para o meu Trabalho de Conclusão de Curso, 35 dias antes do falecimento do entrevistado. Eu estava escrevendo sobre o Bairro do Cruzeiro, um dos bairros suburbanos da cidade. Na ocasião, as memórias de Gentil Faria Dias me interessavam para que eu pudesse compreender os fatores sociológicos e históricos que levaram homens e mulheres do campo a se deslocarem definitivamente para o meio urbano. Como Gentil Faria Dias fora um sujeito ativo, ou seja, mais do que uma testemunha desse processo histórico, suas memórias são de grande importância para a história do município.  Para quem quiser ter acesso ao meu trabalho, poderá baixá-lo neste link: 


Este trabalho também está disponível para empréstimo na Biblioteca Municipal. 

É impossível falar de Gentil Faria Dias sem antes falar sobre os sujeitos históricos aos quais o político sobrevive na memória coletiva, memória não documentada em livros, mas sim transmitida pela tradição oral. Falo aqui dos homens e mulheres do campo, em sua grande maioria analfabetos e excluídos pela história oficial. Acredito que o leitor nunca tenha encontrado em nenhum livro de história do município esses homens e mulheres do campo. Encontramos biografias dos homens eruditos e poderosos, mas raras vezes encontramos algum fragmento sobre os homens que eram responsáveis pela produção e fluxo de mercadorias, numa época em que rodovias ainda eram um projeto utópico. Quando você ler um livro de história de Camanducaia, faça um esforço de reflexão e pergunte ao autor do livro onde estão os homens que reviram a terra e a semeiam. Pergunte ao autor onde estão os homens que abasteciam a cidade com frutas, legumes, carnes e leite. Pergunte ao autor onde estão os homens que viajavam grandes distâncias e por longos dias, transportando mercadorias em lombos de burros e mulas. Além dessas perguntas, como será que esses sujeitos foram representados pela história oficial? Bom, ao leitor mais curioso, indico este meu artigo: 



Esses homens que viviam no campo eram destituídos de direitos sociais e políticos. Enquanto nas décadas de 1930 e 1940 os trabalhadores urbanos eram contemplados pelas leis trabalhistas (CLTs) durante o Estado Novo, os trabalhadores rurais eram relegados ao esquecimento. Não tinham direito ao voto e não tinham a terra. Trabalhavam para o fazendeiro, sujeito que ditava as leis do mundo rural. O leitor já deve ter ouvido de uma pessoa mais idosa a frase: "Meu filho, eu fui colocar o primeiro sapato no pé quando eu tinha 18 anos." É uma frase que de princípio não parece muito significante, mas se aprofundarmos mais na compreensão da história do Brasil, é uma frase que sintetiza muito bem os problemas sociais do passado e seus resquícios no presente. 

Nas Décadas de 1950 e 1960, o processo de desenvolvimento industrial faz com que aumente a atração pela cidade. A urbanização atrai pessoas que vivem no campo, que, em busca de melhores condições de vida e trabalho, deslocam-se para as cidades procurando empregos na construção civil, comércio, indústria e trabalhos informais como diaristas. Em Camanducaia esse deslocamento se deu com outra especificidade. As pessoas começaram a migrar para o Estado de São Paulo. Os campos e as cidades começam a perder mão de obra. Alguma medida havia que ser tomada para que os trabalhadores não deixassem o município. É aí que se inicia o processo de formação dos subúrbios e é aí que é relevante citarmos Gentil Faria Dias. 



Homem com grande conhecimento das difíceis situações dos trabalhadores rurais, Gentil Faria Dias estudou até a 4ª série. Aprendeu a ler catando recortes de jornais pelas ruas. Não era um homem letrado e por isso desenvolveu uma impecável consciência de classe junto à população mais pobre, tanto do meio urbano como do campo. Homem de fala simples, compreendido pelos semelhantes, como ele dizia: "Eu era um caboclo do mato". Homem simples no falar, sem nenhum diploma acadêmico, mas com grande inteligência política, sujeito moldado na escola da vida. 

Quando os camponeses, sem destino, começaram a deixar o campo, encontraram em Gentil Faria a esperança de uma vida melhor. Quando prefeito, nas décadas de 1960 e 1970, Gentil Faria Dias passa a doar lotes na cidade aos homens expulsos do campo. Aos que tinham alguma condição financeira, pagavam o lote com pequenas prestações. Os que não tinham condições financeiras, além do lote eram auxiliados com materiais de construção para as casas que iam se levantando no bairro do Cruzeiro e demais bairros suburbanos da cidade. Além das moradias, os trabalhadores conseguiam empregos na construção civil, afinal, as ruas da cidade precisavam ser calçadas e novos prédios eram construídos. Os filhos desses trabalhadores analfabetos passam a frequentar as escolas. 

Logicamente que não devemos olhar esse processo com um olhar inocente. Devemos levar em consideração o contexto histórico da época, contexto no qual se insere o fenômeno conhecido como "populismo". O populismo se caracteriza pela aproximação do governante às massas de trabalhadores urbanos, tendo como elementos de trocas o voto ao governante e os benefícios sociais e políticos ao "povo". Mas na minha opinião, seria muito maniqueísmo considerarmos o populismo de Gentil Faria Dias como uma prática pejorativa ao processo de constituição da cidadania em Camanducaia, pois estamos falando de um homem que não tem uma origem oligárquica do poder e sempre levou uma vida simples como os trabalhadores para os quais governou. Homem odiado e perseguido pelas elites, adorado pelos pobres. Assim como os camponeses, foi um homem excluído pela história oficial. Nesse sentido, seria muito simplista considerar as ações de Gentil Faria enquanto político, sem considerar a sua condição de sujeito da classe trabalhadora e com uma forte consciência de classe; condições as quais devem ser levadas em conta ao fazermos uma leitura da sua vida política. 

Aos moradores mais velhos do bairro do Cruzeiro, por exemplo, moradores entrevistado por mim durante a minha pesquisa, Gentil Faria Dias é citado como o político que lhes deu condições melhores de moradia, lhes proporcionou o direito de voto, trabalho formal, educação para os filhos e cuidados com a saúde. A memória coletiva desses moradores se divide pelo antes e depois da vida na roça. Na roça, sem direito à terra, sem direito ao voto, sem boas condições de saúde e com altas taxas de mortalidade infantil. Tudo isso muda quando se deslocam para a cidade e vão à procura de Gentil Faria Dias. É quando passam a se ver como "cidadãos". 

Gentil Faria Dias nasceu em 1915 e morreu no dia 15 de novembro de 2011. Morreu em sua casa, à maneira de um caboclo que teve a certeza que cumpriu o seu papel, deixando como legado na memória coletiva do povo mais pobre as lembranças de um passado de luta pela conquista da cidadania. Uma luta que nunca se encerra, desde que haja homens como Gentil Faria Dias para carregar a sua bandeira. Um caboclo do mato que tem o seu nome esquecido pelos livros eruditos da história, mas eternamente impresso na memória dos homens que escrevem a contínua luta do Brasil por igualdade social. 




quinta-feira, 6 de novembro de 2014

TRISTE FIM DE ALIENALDO AZEVEDO: DA INFÂNCIA AO TRÁGICO SUICÍDIO

Por: Danilo Santos

Caro leitor. Gostaria de adverti-lo de que esta biografia contém relatos muito chocantes. Se você sofre de problemas cardíacos, não leia! E tire as criancinhas da sala!

Pois bem, Alienaldo Azevedo foi um pobre homem que nasceu no pobre bairro do Leblon, cidade do Rio de Janeiro. Morava numa humilde casa com piscina, sauna, 15 quartos, 8 carros importados e.... bom, o que importa aqui é você saber que era uma humilde casa de frente pro mar. Desde criança Alienaldo soube o que é passar necessidade. Alienaldo recebia uma pequena mesada de R$ 5.000,00. 

Alienaldo gostava muito de falar sobre a sua família e ancestrais. Contava com brilho nos olhos a vida dura do primeiro Azevedo que colocou os pés no Brasil. Era ainda nos tempos do Brasil Colônia, quando o primeiro Azevedo veio de Portugal e com muito suor e trabalho, ganhou uma pequena porção de terras por sesmaria, equivalente a alguns milhares de estádios de futebol. Alienaldo contava com orgulho as façanhas dos Azevedo em defesa da justiça e da liberdade. Um dos episódios mais marcantes dos Azevedo foi a luta contra a Abolição da escravidão. Lutaram com força e fé pela justiça e liberdade de poder exercer o direito de escravizar os negros. Perderam a causa em maio de 1888, mas Alienaldo se sente orgulhoso dessa memória de luta dos Azevedo ao lado dos homens de bem, ao lado dos homens legitimamente cristãos. 

Veio a República e os Azevedo investiram no café. Família com ideias liberais, contra a intervenção do Estado na economia, os Azevedo só tiveram uma pequena ajuda do governo até 1930 para manter o preço do café em alta por 40 anos. 

Na década de 1960, os Azevedo lutaram contra o perigo comunista. Mais uma vez a tirania se levantava contra a liberdade. Camponeses iniciaram um levante contra os preceitos cristãos ao querer ter os mesmos direitos trabalhistas que os trabalhadores urbanos. Como a família Azevedo possuía parcos recursos financeiros, as reivindicações dos camponeses eram uma ofensa contra a democracia. Os Azevedo, muito patriotas, foram a Miami esfriar a cabeça, e quando voltaram, participaram da Marcha da Família com Deus Pela Liberdade. Os patriotas conseguiram colocar no poder os presidentes militares, democraticamente eleitos pelos votos dos marcianos.

Alienaldo dizia que essa foi a época da liberdade. Muitos anti-patriotas dizem que havia censura, mas o pai de Alienaldo, que escrevia na imprensa, nunca fora censurado. Escrevia muitos textos elogiosos sobre os presidentes militares e nunca arranjou problema. Outros jornalistas inventavam moda e ficavam escrevendo receitas de bolo. Um outro se matou na prisão. Dizem que ele foi assassinado, mas os Azevedo contestam. 

Alienaldo, seguindo à risca os ideais dos Azevedo, sempre foi a favor de um Estado mínimo. Alienaldo estudou numa universidade federal, mas é mero detalhe. Um banco da família foi salvo com dinheiro público na crise de 2008, mas é outro pequeno detalhe que nem merecia ser citado. 

Alienaldo Azevedo, ainda que pobre, sempre teve boa educação. Estudou em escola particular na infância e adolescência. Sempre bem informado, lia os maiores gênios do Brasil, de Bobodrigo Constantino a Orvalho de Caralho. Alienaldo era fã do genioso Orvalho de Caralho, intelectual brasileiro que contestou a Teoria da Relatividade num vídeo de 3 minutos no youtube. Orvalho ganhou o Prêmio Nobel de Física no ano de 1250 ao descobrir que a Terra é quadrada e é o centro do sistema solar. Gênio!

Alienaldo Azevedo aprendeu com Orvalho de Caralho a desvendar as artimanhas do bolivarianismo comunista nas estruturas do Estado brasileiro.  Começou a perceber que desde o governo Lula o bolivarianismo vinha tomando conta do Brasil. Um dos primeiros sintomas a ser percebido do bolivarianismo foi a perda da relação do Brasil com o democrático FMI. Outro sintoma foi o enriquecimento bolivariano de pessoas que não sabiam falar Inglês. Alienaldo não se conformava com a ideia do seu filho estudar na mesma universidade federal que o filho da empregada. Isso é comunismo! 

Alienaldo lutou contra essa tirania e foi às ruas protestar. Alienaldo participou de outra Marcha da Família com Deus pela Liberdade, marcha liderada por Burro Troscano. Pediram intervenção militar, mas não teve jeito. A ditadura comunista já estava consolidada. O PT se reelegeu ditatoriamente por maioria de votos sobre o candidato da oposição: Aébrio Never. Alienaldo, no desespero, convocou os amigos a pedirem ajuda aos EUA. Num ato patriótico e heróico, escreveram uma carta à Casa Branca. Não contavam que o comunismo também se instalara em Washington. Sem mais esperanças e nem sentido para viver, os últimos momentos de Alienaldo Azevedo foram sofríveis. 

Alienaldo foi à cozinha e pegou uma faca. Ele estava prestes a cometer um ato abominável contra a própria vida. Com a faca na mão, Alienaldo era coagido pela multidão em frente à sua casa a não fazer besteira. Em todos os canais de TV, lá estava Alienaldo e a multidão. Em um ato impensável, Alienaldo levantou a faca, que reluzia à luz dos flashes fotográficos; e com a faca.... com a faca Alienaldo apontou um lápis, pegou um formulário e assinou a Revista Veja. 

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

ESGOTO A CÉU ABERTO: O DESCASO DO PODER PÚBLICO EM CAMANDUCAIA

Por: Danilo Santos

Moradores da Rua Belmira de Paula Vargas, bairro do Leite Sol, estão há mais de dois anos sofrendo com o mau cheiro na porta de suas casas por conta do esgoto que corre a céu aberto rua afora. Segundo o morador Wagner Oliveira, encarregado de produção industrial, de nada adiantou até agora as reclamações feitas pelos moradores ao prefeito, aos vereadores e à Copasa. 

Wagner Oliveira diz que a prefeitura se justificou dizendo que a responsabilidade é da Copasa e que os moradores devem entrar na justiça contra a empresa. Enquanto há esse jogo de responsabilidades pra lá e pra cá, o mau cheiro continua e ninguém resolve o problema. Mas eu gostaria de expôr a minha opinião. A responsabilidade é sim e também do prefeito e dos vereadores. Afinal, em tal situação, percebemos que além de crime ambiental, a questão é de saúde pública. Se é problema de saúde pública, já que fezes na rua pode causar doenças aos moradores, é responsabilidade sim do prefeito e dos vereadores. 

Não vejo nenhum impedimento para a prefeitura e a Câmara Municipal agirem em conjunto para estarem movendo uma ação judicial contra a Copasa, obrigando a mesma a pagar multas diárias enquanto o problema não for resolvido. Se temos capacidade de multar o senhor que vende pastel na rua, por que não podemos fazer o mesmo com uma empresa? Vigilância Sanitária existe pra isso. 

Abaixo, algumas fotos da rua. Esperamos por uma solução o mais breve possível. Estamos de olho e vamos cobrar até ser resolvida a questão. 




sexta-feira, 26 de setembro de 2014

LILIA SCHWARCZ DESTRUINDO A TESE DA DEMOCRACIA RACIAL EM DEMETRIO MAGNOLI

Por: Danilo Santos

No Brasil há algumas correntes acadêmicas que tentam justificar a famosa “democracia racial.” Segundo tais correntes, no Brasil não há racismo, e se não há racismo não há motivo para se falar do tema. Ainda que pesquisas de opinião provem o contrário, alguns autores tentam distorcer os dados para finalmente passar a idéia de que há harmonia racial.

Entre um dos mais destacados atualmente que difunde a concepção de democracia racial no Brasil, está o jornalista e sociólogo, Ali Kamel, da Rede Globo. Ele escreveu o livro “Nós não Somos Racistas.” Seu principal argumento se refere à distinção econômica e não pela cor da pele. Mas Ali Kamel ignora um fator muito importante na sua análise: o aspecto cultural. Ignora por exemplo a vasta bibliografia historiográfica que procurava legitimar a distinção racial na montagem do projeto do Brasil Nação. Só para citar aqui alguns autores como exemplo: Karl Von Martius, Varnhagen, Oliveira Vianna, Calmon, Afonso Arinos, Euclides da Cunha. São autores que procuraram explicar o Brasil pelo determinismo biológico e geográfico. Não estou dizendo que são intérpretes que não devam ser lidos. Muito pelo contrário, devem ser lidos para que possamos compreender como eles influenciaram nas políticas de segregação, e mais importante, como influenciaram na construção da memória oficial do Brasil nação. O problema é que os defensores da tese da democracia racial não citam esses autores. Ou não citam por que não leram, ou não citam por cinismo, uma vez que qualquer aluno de curso de graduação, por mais fundo de quintal que seja, discute esses autores em sala de aula.

Bom, como sabemos, quem não lê está sujeito a levar coice de quem lê. E Demetrio Magnoli levou uma bela borduada da antropóloga Lilia Schwarcz no Programa do Jô. Schwarcz é autoridade sobre pesquisas relacionadas aos temas do pensamento racial no Brasil. No final do texto vou postar o link do vídeo para que vocês possam ver a resposta da Lilia a Magnoli. Aos 10:55 minutos do vídeo, Magnoli questiona Lilia sobre a seguinte questão: “Se nos EUA e na Europa, em meados do século XIX, as nações propunham a segregação racial, aqui no Brasil fazíamos o contrário.  Karl Von Martius, que venceu o concurso do IHGB, formulou um projeto de como se devia escrever a História do Brasil, incluindo as 3 raças: indígena, branca e africana. Enquanto nos EUA mandavam negros de volta para a África, aqui preferimos viver juntos.”

Ao ouvir isso do Magnoli, eu fiquei imaginando como pode um homem que tem vários livros publicados poderia falar tamanha bobagem em um programa televisivo de grande audiência. Ainda mais para uma pesquisadora do nipe da Schwarcz. Pediu pra levar porrada. Lilia já começou sugerindo que Magnoli não leu o livro do Karl Von Martius. Você que é estudante do 1º semestre do curso de História, baixe o livro do Martius que disponibilizarei no final do texto, só pra você ter noção da bobagem que o Magnoli falou. Ao ler o livro, você vai constatar que Martius diz que para se escrever a História do Brasil, o historiador deve pensar o Brasil como um rio caudaloso, no qual a corrente mais forte seria a raça branca. A corrente mais ou menos seria a africana. E a corrente fraquinha seria a indígena. Ele cria hierarquias para o historiador pensar o Brasil enquanto nação. Para finalizar, Lilia refuta a idéia de que no Brasil não houve a política de emigração de libertos para a África. Magnoli e companhia ignora a vasta bibliografia de pesquisadores tanto brasileiros, quanto de brazilianistas, que estudaram comunidades de ex-escravos do Brasil emigrados para a África. Só para citar um clássico, publicado em 1985, o livro “Negros Estrangeiros: os escravos libertos e sua volta à África”, da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha. Há a 2ª edição do livro pela Editora Companhia das Letras, 2012. Então, assim como nos EUA, no Brasil o negro também era uma questão inconveniente no projeto de identidade nacional.
Abaixo estão os links do vídeo e do livro do Martius.




  

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O PAPEL DA MÍDIA NA DIFUSÃO DO RACISMO E O SILÊNCIO ACADÊMICO

Por: Danilo Santos


Discutir o racismo no Brasil é muito complicado. Complicado porque falta muita seriedade no debate entre o público leigo, público tanto passivo quanto ativo às práticas discursivas do racismo. No meio acadêmico a discussão é riquíssima no sentido de trazer à tona novas abordagens e reinterpretações sobre o nosso passado colonial escravocrata. Mas o debate perde em qualidade quando o tema “racismo” se fecha, se isola nas comunidades acadêmicas. Quando isso acontece, o alcance dos discursos racistas por parte das camadas conservadoras é muito maior sobre a sociedade. Há necessidade dos pesquisadores acadêmicos democratizarem os frutos das suas pesquisas nas mídias mais acessíveis e em linguagens acessíveis aos leigos. Se isso não acontecer, discursos preconceituosos dos Danilos Gentilis serão mais receptivos, alimentando as práticas racistas que vemos na atualidade.


Um dos principais argumentos dos racistas, é o de que no Brasil não existe racismo. Para eles, o que existe é um “coitadismo exacerbado” que vê racismo em tudo. Para construírem tal argumento, utilizam o famoso bordão: “Mas que mal há em chamá-lo de macaco? Me chamam de palmito e eu nem ligo.” É o que dizem os Gentilis. O que eles ignoram é o fato de que a ideologia inerente à animalização do negro, foi um fator determinante para legitimar a escravidão dos negros africanos desde os tempos em que aquele continente se viu sob o jugo do império islâmico. Até nos escritos gregos da Antiguidade, principalmente nos escritos de Hipócrates e Galeno, ambos, médicos, o negro africano é representado analogicamente à condição animal. Mas vou simplificar e falar mais da construção da identidade nacional na perspectiva oficial para mostrar o quanto é equivocado o argumento de que não há mal algum em denominar um negro de “macaco” e o que isso implica na prática.


Quando se deu a Abolição, em 13 de maio de 1888, Joaquim Nabuco disse que as conseqüências de mais de 300 anos de cativeiro perdurariam por 100 anos. Passaram-se os 100 anos e as conseqüências ainda perduram. Nabuco errou no cálculo, infelizmente. Mas o que Nabuco realmente quis dizer? A quais conseqüências ele se refere? Acredito que o maior visionário e que respondeu a essa pergunta, foi Machado de Assis. Machado de Assis dizia que o negro, após a Abolição, não conquistaria plena liberdade porque continuaria excluído do projeto de construção da identidade nacional. Dizia que as estruturas opressivas aos escravos se (res)significariam na opressão e exclusão dos “cidadãos negros”. A República prometia em seu discurso a elevação de todos os homens à categoria de “cidadão”. Isso no discurso. Na prática os negros continuaram relegados à condição de sub-humanos. Se antes havia a figura do capitão do mato, na República teríamos a figura do agente policial à caça de “vagabundos”.

Sem direito à terra e expulsos das grandes fazendas, a massa de ex-escravos ocupariam os centros urbanos. Sem emprego, exerceriam o trabalho informal, à mercê da repressão policial. Nas antigas fazendas, no lugar do negro vieram os europeus brancos. Enquanto vinham europeus, a entrada de africanos no país passou a ser proibida. A estratégia oficial era o branqueamento do país. O governo brasileiro até bancava a viagem de negros que quisessem voltar à África. A Educação Eugênica vigorava nos currículos escolares, ensinando aos cidadãos brancos a superioridade da “raça”. Os escritores que tentavam dar uma identidade nacional ao Brasil, bebiam na fonte de escritores europeus que difundiam uma concepção determinista evolucionista das raças. Neste sentido, para Karl Von Martius e Varnhagen, historiadores do Império, o entrave para o desenvolvimento do Brasil era a raça negra.

Para se ter uma idéia da força dessa ideologia, empresto a análise feita pelo professor Eduardo França Paiva sobre a pintura abaixo.



O nome da pintura já nos diz muita coisa. Portanto, iniciaremos pela análise do mesmo. Cã foi o filho de Noé que foi repreendido pelo pai por ter visto o patriarca nu. Na tradição lendária judaica, por essa falta cometida, os descendentes de Cã foram amaldiçoados à escravidão, os Canaanitas. Mas na Bíblia não diz nada sobre a cor da pele desses descendentes, e mais, os Canaanitas não eram do continente africano, mas sim vizinhos dos Hebreus no Oriente Médio. Mas de onde Marco Feliciano tirou a idéia de que eram os negros africanos os amaldiçoados? Aí que entra outro personagem na História: o Islã. Na versão lendária do Islã, os africanos seriam os descendentes amaldiçoados de Ham, outro filho de Noé. Foram os muçulmanos que deram essa versão para legitimar a escravidão na África já no califado Abássida. Como o Islã dominou a Península Ibérica, da qual faz parte Portugal, os portugueses se apropriaram dessa versão muçulmana para legitimar a escravidão africana nas suas colônias.

Analisando agora a pintura em si, a mulher mais negra é a alegoria dos descendentes de Cã e do passado colonial. Não esqueçamos que a pintura é de 1895, já na República. Portanto, ela nos diz muito sobre o ideal de nação da oficialidade do poder. No centro, há a moça mulata, filha da velha negra. A mulata já sofreu o processo de mestiçagem. O homem, mais branco, é a analogia do típico italiano camponês. A criança, já de pele totalmente branca, é a analogia do futuro. Um futuro em que não haveria mais negros por conta do processo de mestiçagem. O futuro da República e do desenvolvimento. A velha negra levanta as mãos aos céus se redimindo, agradecendo aos céus por não legar um futuro negro à nação. A criança faz um sinal de “Abenção”, que remete ao Cristianismo primitivo, como se quisesse dizer “Amém”.

Como podemos ver, numa só pintura analisada, podemos sintetizar vários discursos dos intérpretes não só do Império, como também dos posteriores à Abolição. De fato, essa ideologia de exclusão do negro na formação da nação por meio da mestiçagem, já que acreditavam que quanto mais mestiçagem mais branca seria a Pátria, refletiu na exclusão do negro na conquista pela cidadania.

Só para citarmos como exemplo como se deu essa exclusão, basta uma simples abordagem sobre a Revolta da Vacina, ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 1904. A República vinha com a promessa de modernizar e isso implicaria reformas urbanas. É quando o pais quer se mostrar desenvolvido aos olhos do mundo. Como vimos que desenvolvimento era sinônimo de branqueamento, tendo como espelho a Europa, especialmente a Paris da Bélle Epocque, não seria bem quisto um Rio de Janeiro cujo centro urbano transbordava negros para todo lado. Nos diários de viajantes da época há relatos de abominação à cidade por conta da grande quantidade de negros.

Os negros eram descritos como “fezes sociais” nos relatórios de polícia. Os responsáveis pelo atraso, pela desordem. Aí que a política higienista de Oswaldo Cruz caiu como uma luva para expulsar os negros do centro da cidade. Durante a matança de negros pela polícia, nos relatórios oficiais os negros eram rebaixados às doenças contagiosas as quais a reforma higienista se propunha a neutralizar. Os que conseguiram sobreviver, ocuparam os morros, que hoje são as favelas. Outros foram colocados em porões de navios e asfixiados com cal e mandados para trabalhos forçados na Amazônia. Muitos nem sobreviveram à viagem.

Excluídos do projeto de nação, os negros não tiveram acesso a direitos sociais básicos que lhes proporcionassem ascensão social. Não conseguiam trabalhos formais, eram em sua maioria analfabetos e por serem analfabetos, não tinham nem direito ao voto. Então, temos que vasculhar o passado e ver quais as conseqüências desse passado no nosso presente. Ao negar a humanidade de um ser Humano, chamando-o de macaco, estamos trazendo à tona um discurso utilizado por centenas de anos para legitimar a segregação e a exclusão. Esse discurso preconceituoso reflete nos dados estatísticos sobre repressão policial, defasagem educacional, desigualdade social. Reflete na dificuldade de lutar pelos direitos políticos e sociais. Não adianta dizermos que não há racismo quando no Brasil a pobreza, o analfabetismo e os cemitérios têm como cor dominante a cor negra.

Está mais do que na hora dos acadêmicos e pesquisadores envolvidos com os temas relacionados ao racismo tomarem os espaços dos propagadores conservadores. É inadmissível que sujeitos como Danilo Gentili permaneçam à vontade para difundir o racismo sem respostas à altura da sua audiência. Ao acadêmicos, peço que deixem essa redoma universitária de congressos e seminários, e venham para a rua. Ocupem os jornais mais populares, as rádios, os canais de TV. Fiquem cara-a-cara com a sociedade e dialoguem numa linguagem acessível. De nada adianta escrevermos somente para revistas científicas se tais mídias não chegam às mãos daquele aluno de Ensino Médio que assiste pela TV a difusão do racismo velado e hipócrita. Se tal iniciativa não partir daqui de baixo, não vai partir nem de Globo, nem de SBT e nem de nenhuma mídia de grande audiência, uma vez que tal iniciativa afeta diretamente os interesses dos que se mantém no privilégio rebaixando os demais pela cor da pele.  

domingo, 21 de setembro de 2014

LUCIANA GENRO E A IMATURIDADE INTELECTUAL DE DANILO GENTILI

Por: Danilo Santos

Ao assistir à entrevista de Luciana Genro no programa “The Noite”, do Danilo Gentili, os telespectadores se debateram nas redes sociais. Uns defendendo Luciana Genro e outros defendendo Gentili e Roger. O foco da polêmica foi o Socialismo, ideologia a qual segue o partido da candidata.
A grande questão é: até que ponto tal debate é produtivo? Faço esta pergunta por que o debate em torno do Socialismo nas redes sociais sempre vem acompanhado de algumas frases prontas do tipo: “O Socialismo matou 80 milhões”, “Na Rússia.....”, “Em Cuba....” “Na China....” “Na África....”. Toda vez que um candidato ou candidata como Luciana Genro vai a um programa de televisão, sempre aparecem as mesmas frases prontas. Como se Luciana Genro, numa  possibilidade de ganhar a eleição, fosse capaz de fazer um movimento de massas camponesas e operárias para fazer uma revolução armada. Analogias como essas é o que denomina-se anacronismo.
Por mais que façamos um esforço intelectual para corroborar com a idéia de que o “Socialismo” stalinista e os demais que “mataram 80 milhões” não fossem deturpações das propostas de Marx, a pergunta que eu faço é: em que medida há alguma possibilidade de no Brasil haver um movimento de massas com o objetivo de tomar o poder? Ora! Isso é condição primordial para se realizar o Socialismo na prática. Caras como Danilo Gentili e Roger pecam em fazer analogias à URSS sem levar em conta o contexto histórico brasileiro. No Brasil, em nenhum momento da história o povo participou efetivamente de um movimento revolucionário em que tivesse como objetivo tomar o poder. Na Independência, o povo esteve ausente. Proclamação da República, ausente. Revolução de 1930, ausente. Mesmo no golpe militar de 1964 não houve nenhuma reação que desencadeasse uma grande guerra civil, caindo por terra o discurso do “perigo comunista”. O que tivemos foram pequenos grupos de guerrilheiros.
Partindo dessas breves considerações, é muita imaturidade intelectual demonizar uma candidata socialista com analogias anacrônicas. Se quisermos criticar o socialismo de Luciana Genro, devemos levar em consideração as propostas socialistas dela para o Brasil. Mujica é socialista e nem por isso uruguaios estão sendo fuzilados. Luciana Genro disse na entrevista que é bom termos utopias, pois mesmo que não alcancemos o topo de todos os sonhos para uma sociedade melhor, a utopia nos faz subir alguns degraus. No passado, quando crianças, mulheres e homens morriam de fome durante a Revolução Industrial, quando trabalhavam 16 horas diárias em fábricas imundas e onde se acidentavam e não tinham direito algum de indenização, a ideologia socialista serviu a essa massa na luta por melhores condições de vida. Nesse sentido, Luciana Genro foi sincera ao dizer que tem lado.
Da mesma forma que não podemos radicalizar sobre o capitalismo, não podemos sobre o socialismo. A Humanidade conquistou muitos avanços com o capitalismo, mas foi preciso coexistir com o socialismo, caso contrário, muitos direitos da classe trabalhadora jamais existiriam. Agora, radicais há de ambos os lados, tanto do socialismo como do capitalismo. Temos como exemplo os genocídios de Stalin, como temos também os genocídios neo-colonialistas na África por conta do capitalismo. Poderíamos citar muitos exemplos catastróficos de ambas ideologias, levando o debate para um fanatismo exagerado.
O que devemos levar em consideração é que vivemos uma outra realidade. O Brasil não é uma Rússia do início do século XX e nem a esquerda de Luciana Genro difunde luta armada das massas para tomar o poder. O socialismo de Luciana Genro se limita a dar melhores condições de vida aos mais pobres, mas por vias constitucionais. Portanto, não faz o menor sentido fazer analogias com Stalin.


  

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A LUTA DOS SERVIDORES PÚBLICOS PELOS SEUS DIREITOS EM CAMANDUCAIA

Antes de tudo, gostaria de dizer que ao invés de matéria, este texto é um artigo. Um artigo no qual me coloco em defesa dos servidores públicos municipais. Meu intuito era fazer uma matéria na qual eu me colocaria numa posição neutra e deixar as opiniões apenas do sindicato, do prefeito e do presidente da Câmara dos vereadores. Mas somente o presidente da Câmara respondeu às minhas perguntas.
Antes de eu colocar aqui as minhas opiniões, vou demonstrar a entrevista que realizei com o vereador Nenê do Supermercado. Outros vereadores eu procurei para ceder entrevista, porém quando eu disse de qual assunto se tratava me deixaram no vácuo. Foi como se eu tivesse falado de Jesus Cristo ao Capeta. Pois bem, lembrarei disso nas eleições. Abaixo, a entrevista com o vereador Nenê.
Danilo Santos: Primeiramente gostaria de agradecer pela entrevista que me concede. Bom, no último dia 28 participei da reunião do sindicato dos servidores públicos e pude colher deles algumas reivindicações. As auxiliares escolares, por exemplo, reivindicam o pagamento do triênio e do qüinqüênio. Por mais que haja reajuste salarial, sem esses direitos o valor que elas recebem sempre ficará defasado, principalmente se compararmos com o que recebem os contratados. O que a Câmara tem discutido a respeito dessa situação?
Nenê do Supermercado: A Câmara não se exime desta responsabilidade e no papel de representante do povo já se manifestou junto ao Executivo  quanto a esta questão, e em reunião com o executivo e vereadores e também as auxiliares escolares e os funcionários da obra também na mesma situação ficou acordado que o prefeito iria rever estas situações e no mais rápido possível resolver tal situação, porém, de acordo com a prefeitura ela não tem recursos  para arcar com este impacto financeiro no momento, no entanto se prontifica a rever a situação já que também tem interesse em resolver esta justa reivindicação de anos dos servidores. Por outro lado, mesmo a Câmara estando atenta, a execução de tal demanda não é pertinente do Legislativo e sim do Executivo.

Danilo Santos: O Estatuto do Servidor Público é da década de 1970, portanto, totalmente inviável à Constituição de 1988. A Câmara já cogitou retificá-lo?
Nenê do Supermercado: A retificação do Estatuto do Servidor Público não depende de uma decisão unilateral do Legislativo, mas de toda uma mobilização entre os poderes em conjunto com os servidores.

Danilo Santos: A Câmara já pensou em discutir a questão do desenvolvimento do Plano de Carreira das auxiliares escolares? Pelo que percebi, ele é falho e precisa de modificações.
Nenê do Supermercado: O desenvolvimento do Plano de Carreira das auxiliares escolares, sua iniciativa tanto de revisão quanto de criação compete ao Executivo, o que não impede de ser discutido por Esta Casa quando e se for apresentado.

Danilo Santos: Como tem sido a relação da Câmara com o sindicato dos servidores no que diz respeito à luta pelos direitos trabalhistas e melhores condições de trabalho? Pelo menos algum dos vereadores se interessa por participar das reuniões do sindicato ou procura conhecer a real situação do servidor público de Camanducaia?
Nenê do Supermercado: O sindicato iniciou seus trabalhos recentemente e nunca  foi solicitado a presença de algum vereador em suas reuniões. Não só um ou outro vereador, mas a Câmara num todo se interessa pela atual situação do servidor sim, e está aberta para auxiliar em suas reivindicações junto ao Executivo, desde que justas.

Danilo Santos: Muito obrigado pela entrevista, Nenê! Esperamos sempre contar com a sua opinião.


Como vocês puderam ler nas palavras do vereador, o Executivo “vai” rever a situação dos servidores. Não estou desacreditando, mas devemos acabar com a mania em Camanducaia de que tudo vai se resolver no futuro e nunca se resolve. Entra prefeito, sai prefeito, é tudo a mesma novela. E o maior absurdo, na minha opinião, é a de que a prefeitura não tem condições de andar em dia com os direitos dos servidores! Direito é direito! Como que para os servidores que ganham pouco mais que salário mínimo seus direitos são inviáveis aos cofres públicos, porém para vereadores, prefeitos e secretários os direitos andam em dia? Em menos de dois anos eles tiveram 40% de aumento, mais benefícios absurdos como gratificação natalina, que nada mais é que um eufemismo para 13º salário. Para resguardar os direitos deles não há empecilhos no orçamento. Muito bacana isso.

O caso de muitas auxiliares escolares e de creches, por exemplo, elas reivindicam direitos básicos como triênio e qüinqüênio. Cabe ressaltar que servidores efetivados que passaram em concursos, não estão sujeitos à CLT (Constituição das Leis Trabalhistas). Isso quer dizer que uma das únicas garantias pelas quais eles têm um pouco a mais no salário, é o triênio e quinquênio. Sem essas garantias, os reajustes acabam sendo medidas que não atendem as verdadeiras necessidades dos servidores, já que na prática o salário que recebem acaba ficando defasado. Para constar isso, basta comparar os holerites de servidores contratados com os dos servidores concursados. Por exemplo, um servidor contratado acaba ganhando o mesmo que um servidor concursado, mesmo ocupando a mesma função e tendo menos tempo de serviço.


Minha intenção não é criar atritos entre servidores contratados e concursados. Apenas estou comparando as distintas situações para compreendermos a situação de quem está a mais de 5 e 10 anos trabalhando sem ter os devidos direitos garantidos.
Agora eu gostaria de fazer umas indagações. Se não é possível aos cofres públicos garantir de imediato o triênio e o qüinqüênio de todos os servidores, por que é possível aos cofres públicos contratar adoidado e ainda garantir aos contratados os mesmos salários dos efetivados? Quais as artimanhas usadas para se fazer esta mágica? Não falo apenas desta administração, mas da arcaica política histórica-administrativa camanducaiense. São problemas que não devemos deixar para o futuro. Temos que resolver agora, pois em Camanducaia o futuro é utópico.

Eu tenho algumas hipóteses. Consegui dois holerites para comparar a situação. Os dois holerites são de servidores concursados, sendo um servidor com 2 anos de tempo e o outro com mais de 5. Um recebe o qüinqüênio e o outro recebe um tal de “complemento”. O complemento, dizem que é para que o servidor não ganhe menos que o salário mínimo, já que por lei ninguém pode ganhar abaixo do mínimo. Mas será que se andássemos em dia com os direitos dos servidores esses complementos seriam necessários? E será que o pagamento desses complementos não seria em detrimento do pagamento do triênio de outros servidores? Não sei responder, pois sou leigo em assuntos contábeis. Os que poderiam sanar as minhas dúvidas acabaram não respondendo as minhas perguntas.

Outra reivindicação das auxiliares escolares é a questão de ter que trabalharem em junho, enquanto as pedagogas sairão de férias. O que me chama a atenção é que as auxiliares de creches, por exemplo, não podem ocupar a função de pedagogas. Isso seria desvio de função. Mas infelizmente é isso que vem acontecendo nas creches, principalmente à tarde. Muitas auxiliares, na ausência das professoras, fazem a função das pedagogas porque se sentem “valorizadas”. Infelizmente muitas auxiliares pensam assim, sem passar pela cabeça que estão fazendo uma função de profissionais que ganham mais do que elas. Na prática isso é benéfico para a prefeitura, pois não precisaria contratar mais professoras. Para que contratar profissionais para cargos que exigem curso superior, se pessoas com o Ensino Fundamental estão fazendo o mesmo serviço e ganhando menos? Não seria um caso para os Excelentíssimos vereadores estarem averiguando?

Não sou adivinho, mas acredito que o Executivo já tenha pensado na hipótese de as auxiliares não quererem fazer as funções das professoras durante a Copa. Qual seria a solução? Colocar as contratadas no lugar das efetivadas. Pimba! Isso resolveria o problema. Ninguém vai se rebelar.

Para encerrar, apresentarei a minha opinião sobre as medidas que devem ser tomadas pra agora e não para o futuro. Em primeiro lugar, há que se formular outro Estatuto do Servidor Público. O nosso é da década de 1970, portanto, inviável à Constituição de 1988. O Estatuto é uma das principais garantias do servidor e sem ele estar atualizado, o servidor fica sem muitas alternativas de luta. Sua luta se torna mais burocrática sem o Estatuto. E neste quesito que se refere ao Estatuto, o vereador Nenê está certo. Há que se juntar os servidores, vereadores e prefeito para fazer um novo Estatuto. Mas o que eu percebo de problema é a falta de vontade política. Nem servidores, nem prefeito e nem vereadores correm atrás para formularem outro Estatuto. Isso há mais de 40 anos!!

Mais do que formular outro Estatuto, os servidores precisam se unir, se informar, conhecer os seus direitos básicos para que não sejam massa de manobra. Não pode se calar diante das injustiças e unidos o grito é mais retumbante. É a desunião dos servidores a sua maior fraqueza.


terça-feira, 13 de maio de 2014

EXISTE UM PROJETO VIÁVEL ÀS ESQUERDAS NO BRASIL?

Por: Danilo Santos

INTRODUÇÃO

A minha intenção em escrever este artigo é induzir um debate sério para compreendermos melhor a conjuntura atual, tanto política, quanto social e econômica no Brasil. Vemos atualmente no Brasil debates acalorados, mas nem sempre frutíferos entre a Esquerda e a Direita. Mas será que existe de fato uma Esquerda no Brasil? E se existe, qual é o projeto de Revolução dessa Esquerda?

Para melhor enriquecer esta discussão, vou abordar resumidamente 4 intérpretes brasileiros, respeitando a historicidade de suas obras: Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso.

N.W Sodré

Indo direto ao assunto, Sodré era do PCB e escreveu sobre a Tese Feudal. Sodré faz parte da categoria mais ortodoxa do marxismo (1920-1950). Importou métodos teóricos do marxismo lininismo/stalinismo. Ao analisar o Brasil, Sodré postulou que o entrave para o seu desenvolvimento e a Revolução, era o latifúndio. Para Sodré, a esquerda deveria se aliar à burguesia industrial para derrotar o latifúndio.

Sodré era da opinião de que o latifúndio, uma estrutura feudal, era o grande inimigo da burguesia industrial. A burguesia industrial, aliada ao proletariado, seria a única capaz de proteger a economia nacional do Imperialismo. O latifúndio seria aliado do Imperialismo. Num dado momento, com uma burguesia industrial consistente e já tendo derrotado o latifúndio, o proletariado seria o responsável pela Revolução Socialista. Após a estabilidade, a Revolução. Os interesses da burguesia industrial, para Sodré, estaria em consonância aos interesses do proletariado. Ambos queriam derrubar as forças conservadoras ligadas ao latifúndio e ao Imperialismo.

Caio Prado Jr.

Tendo Sodré como interlocutor, C.P Jr. irá contestar a Tese Feudal. Numa análise mais economicista, C.P Jr. dirá que no Brasil nunca houve feudalismo. Sempre houve relações capitalistas, sendo o próprio latifúndio inserido dentro das relações capitalistas. Logicamente que este olhar economicista de C.P Jr. é equivocado, pois ele exclui da sua análise aspectos culturais. Mas não entrarei neste assunto. O importante aqui é fazer uma comparação entre Sodré e Caio Prado.

Caio Prado já é menos otimista em relação a Sodré. Para ele, a burguesia industrial seria aliada aos conservadores, ao imperialismo e ao latifúndio, e não ao proletariado. Caio Prado diz que ao importar teorias que não se encaixam à realidade brasileira, Sodré cometeu um erro teórico que colocou em xeque a ação da Esquerda. De certa forma Caio Prado estava certo, pois em 1964 a burguesia industrial aliou-se às hipotéticas estruturas rivais do proletariado: ao latifúndio e ao Imperialismo. O capitalismo seria uma força que se adapta às realidades estruturais vigentes. Aqui no Brasil se adaptou à mentalidade conservadora e ao latifúndio. Para a burguesia não interessa a igualdade social, não interessa se politicamente um país é atrasado. O que interessa à burguesia é saber jogar dentro dessas estruturas para acumular dinheiro, por isso a burguesia coexistiu com o coronelismo e com o imperialismo. O próprio latifúndio estaria inserido dentro das relações capitalistas, e não feudais, como pensava Sodré. Isso porque o latifúndio sempre manteve relações comerciais exteriores. Caio Prado fala também do desenvolvimento industrial financiado pelos plantadores de café do Oeste Paulista. Resumindo, Caio Prado não vê a burguesia como aliada direta do proletariado e inimiga do latifúndio. Ela coexistiu com ele e se beneficiou dessa coexistência.

O próprio conceito de Revolução de Caio Prado é diferente ao de Sodré. Sodré via a Revolução como realizável num evento específico, no momento em que a burguesia e proletariado entrassem em choque direto com o latifúndio e o Imperialismo. Para Caio Prado, a Revolução deveria ser a longo prazo, com mudanças estruturais, e não num evento específico. E para que essa Revolução fosse viável, deveria haver melhor conhecimento da realidade brasileira. Era preciso estudar o passado de todas as estruturas para diagnosticar as continuidades e mudanças que ocorreram com o tempo. Era preciso que houvesse uma junção mais coerente entre teoria e ação, a teoria orientando a ação. Por isso a teoria teleológica de Sodré estava totalmente desconexa da realidade brasileira, pois estava orientando uma ação ao lado de uma estrutura que não era nem um pouco aliada ao proletariado.

Florestan Fernandes

Com o golpe de 1964, marxistas da linha de Sodré/PCB pagariam caro por terem empregado uma teoria que orientou mal a ação da Esquerda. Um dos ferrenhos críticos de Sodré seria Florestan Fernandes. Florestan Fernandes faz uma análise de Sodré quase parecida com a de Caio Prado. A diferença é que Fernandes trabalha melhor a teoria do que o Caio Prado. Ele demonstra os equívocos teóricos de Caio Prado, mas não entrarei neste tema porque não é fundamental neste artigo.

Para Florestan Fernandes, era essencial a ascensão da burguesia nacional para o Brasil se desenvolver. Primeiro ela deveria se libertar das forças que impediam o capitalismo, citando como exemplo a submissão à metrópole. A chegada da Família Real foi um dos primeiros eventos que favoreceram os interesses capitalistas, depois a Independência. A própria Independência representou os interesses da burguesia, mas esta ainda estava a mercê dos conservadores. A primeira Constituição do Brasil Independente corresponde aos interesses capitalistas e burgueses, mesmo que sendo apenas discursivamente. Na teoria o país adotava um discurso liberal, porém na prática faltava muito ainda para se tornar viável ao desenvolvimento capitalista. O próprio José Bonifácio reconheceu esta dificuldade, pois teoricamente era contra a escravidão, mas na prática era impossível aboli-la de imediato, levando em conta a realidade brasileira em todos os aspectos.

Florestan Fernandes analisa a evolução da burguesia. Analisa os eventos em que ela soube jogar sabiamente dentro das estruturas políticas em distintas realidades: às vezes se aliando aos conservadores, às vezes coexistindo e em alguns momentos entrando em choque direto. Faz um elogio às ações da burguesia no seu processo revolucionário. O que Florestan Fernandes não se conforma é o porque da burguesia ter se aliado ao Imperialismo. A burguesia, se quisesse, poderia e tinha condições de fazer importantes reformas estruturais na política, na economia e no social. Bom, agora vamos falar resumidamente de FHC.

Fernando Henrique Cardoso

Fernando Henrique Cardoso responderá às perguntas de Florestan Fernandes. FHC já vê a situação do golpe não com muito pessimismo, mas com otimismo. Para FHC, nunca houve uma burguesia nacional, uma classe que se identificasse em luta contra o Imperialismo e em favor da economia interna. Para FHC, a burguesia queria era se internacionalizar, pois isso faz parte da lógica capitalista. Faz parte do desenvolvimento capitalista relações internacionais.

FHC utiliza muito bem a Dialética marxista para compreender a realidade brasileira. Ele considera arcaica aquela discussão das esquerdas que pregavam a luta armada. FHC vê o nacionalismo como um discurso atrasado, levando em consideração a realidade do Brasil e da América Latina na década de 1960. Para ele, era impossível se desenvolver sem se tornar dependente do capital externo. Ele postulou a Teoria da Dependência & Desenvolvimento. Dentro da lógica da dependência, seria possível aumentar o desenvolvimento. Os países que se fechassem ao capital estrangeiro teriam dificuldades para se desenvolver.

Nota-se em FHC um pesquisador que se apaixonou pelo seu objeto de estudo. Recebeu pesadas críticas de Florestan Fernandes, seu antigo orientador, por falar em nome da burguesia. Ao tentar compreender a burguesia, FHC passou para outro lado da luta. Viu na dependência ao Imperialismo chances de desenvolvimento. Um país para se desenvolver precisa de capital na infra-estrutura, no desenvolvimento da Ciência e etc. Em certo momento, FHC vem em favor de Sodré, quando diz que houve sim uma aliança da burguesia ao proletariado contra o latifúndio. Cita como exemplo as décadas de 30 e 40, quando a burguesia ainda não se tornara forte e internacionalizada e queria acabar com o poder das oligarquias na política. Com a Revolução de 1930 e a crise internacional por conta da 2ª Guerra, a burguesia usou o Estado para benefício próprio. Com a vitória sobre as oligarquias, coexistiu com elas. Conforme foi cada vez mais se adaptando à Globalização, para a burguesia não interessa mais os discursos nacionalistas. Isso explica a queda de Vargas e de demais presidentes populistas. A burguesia quer o Estado livre para o capital internacional e será autoritária contra os que fazem discursos protecionistas.
Para FHC, cabe às classes oprimidas fazer igual a burguesia e saber jogar, mas para isso há que se conhecer, compreender as regras do jogo. Por isso é contra as teorias que não correspondem às realidades em jogo.

Considerações

Fiz o possível para enxugar e simplificar o texto. Nem coloquei aqui as citações, mas colocarei na bibliografia o pesquisador que orientou este artigo.

Em minha opinião, FHC é o mais lúcido no que diz respeito à análise da realidade brasileira. Ele faz um diagnóstico perfeito do contexto de 1960/70. O problema é que as classes dominantes souberam usufruir melhor dessas análises para seu próprio bem. O Estado é corporativo e burguês. Para este Estado não interessa a diminuição das desigualdades sociais. Não interessa às corporações hospitais e escolas públicas de qualidade. Quanto mais austeridade, melhor. O Estado só deve servir às corporações. Foi assim na crise de 2008 nos EUA, quando o Estado bancou a dívida dos bancos e especuladores: 900 bilhões de Dólares. Portanto, aquela velha discussão sobre defesa da economia nacional me parece fora da realidade em que vivemos. Cabe aos novos pesquisadores pensarem em outros meios e teorias que coloquem as classes oprimidas dentro de uma ação mais viável dentro da lógica capitalista. Estamos dentro do capitalismo e não há dentro desta lógica nenhuma probabilidade de sucesso o velho discurso revolucionário das décadas de 40/50/60. É isso que FHC quis dizer.

Logicamente que pensar num projeto que oriente a ação implica um conhecimento profundo do presente e do passado. Como bem disse Caio Prado, é uma revolução a longo prazo. Não é uma mera troca de presidente que irá mudar a situação do Brasil. São mudanças estruturais que visem melhor participação dos excluídos do sistema. É preciso saber jogar com as armas que se têm em mãos. É preciso saber se situar no campo de batalha.  

BIBLIOGRAFIA


REIS, José Carlos. As Identidades do Brasil: De Varnhagen a FHC. 9ª ed. FGV, 1999.