sexta-feira, 26 de setembro de 2014

LILIA SCHWARCZ DESTRUINDO A TESE DA DEMOCRACIA RACIAL EM DEMETRIO MAGNOLI

Por: Danilo Santos

No Brasil há algumas correntes acadêmicas que tentam justificar a famosa “democracia racial.” Segundo tais correntes, no Brasil não há racismo, e se não há racismo não há motivo para se falar do tema. Ainda que pesquisas de opinião provem o contrário, alguns autores tentam distorcer os dados para finalmente passar a idéia de que há harmonia racial.

Entre um dos mais destacados atualmente que difunde a concepção de democracia racial no Brasil, está o jornalista e sociólogo, Ali Kamel, da Rede Globo. Ele escreveu o livro “Nós não Somos Racistas.” Seu principal argumento se refere à distinção econômica e não pela cor da pele. Mas Ali Kamel ignora um fator muito importante na sua análise: o aspecto cultural. Ignora por exemplo a vasta bibliografia historiográfica que procurava legitimar a distinção racial na montagem do projeto do Brasil Nação. Só para citar aqui alguns autores como exemplo: Karl Von Martius, Varnhagen, Oliveira Vianna, Calmon, Afonso Arinos, Euclides da Cunha. São autores que procuraram explicar o Brasil pelo determinismo biológico e geográfico. Não estou dizendo que são intérpretes que não devam ser lidos. Muito pelo contrário, devem ser lidos para que possamos compreender como eles influenciaram nas políticas de segregação, e mais importante, como influenciaram na construção da memória oficial do Brasil nação. O problema é que os defensores da tese da democracia racial não citam esses autores. Ou não citam por que não leram, ou não citam por cinismo, uma vez que qualquer aluno de curso de graduação, por mais fundo de quintal que seja, discute esses autores em sala de aula.

Bom, como sabemos, quem não lê está sujeito a levar coice de quem lê. E Demetrio Magnoli levou uma bela borduada da antropóloga Lilia Schwarcz no Programa do Jô. Schwarcz é autoridade sobre pesquisas relacionadas aos temas do pensamento racial no Brasil. No final do texto vou postar o link do vídeo para que vocês possam ver a resposta da Lilia a Magnoli. Aos 10:55 minutos do vídeo, Magnoli questiona Lilia sobre a seguinte questão: “Se nos EUA e na Europa, em meados do século XIX, as nações propunham a segregação racial, aqui no Brasil fazíamos o contrário.  Karl Von Martius, que venceu o concurso do IHGB, formulou um projeto de como se devia escrever a História do Brasil, incluindo as 3 raças: indígena, branca e africana. Enquanto nos EUA mandavam negros de volta para a África, aqui preferimos viver juntos.”

Ao ouvir isso do Magnoli, eu fiquei imaginando como pode um homem que tem vários livros publicados poderia falar tamanha bobagem em um programa televisivo de grande audiência. Ainda mais para uma pesquisadora do nipe da Schwarcz. Pediu pra levar porrada. Lilia já começou sugerindo que Magnoli não leu o livro do Karl Von Martius. Você que é estudante do 1º semestre do curso de História, baixe o livro do Martius que disponibilizarei no final do texto, só pra você ter noção da bobagem que o Magnoli falou. Ao ler o livro, você vai constatar que Martius diz que para se escrever a História do Brasil, o historiador deve pensar o Brasil como um rio caudaloso, no qual a corrente mais forte seria a raça branca. A corrente mais ou menos seria a africana. E a corrente fraquinha seria a indígena. Ele cria hierarquias para o historiador pensar o Brasil enquanto nação. Para finalizar, Lilia refuta a idéia de que no Brasil não houve a política de emigração de libertos para a África. Magnoli e companhia ignora a vasta bibliografia de pesquisadores tanto brasileiros, quanto de brazilianistas, que estudaram comunidades de ex-escravos do Brasil emigrados para a África. Só para citar um clássico, publicado em 1985, o livro “Negros Estrangeiros: os escravos libertos e sua volta à África”, da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha. Há a 2ª edição do livro pela Editora Companhia das Letras, 2012. Então, assim como nos EUA, no Brasil o negro também era uma questão inconveniente no projeto de identidade nacional.
Abaixo estão os links do vídeo e do livro do Martius.




  

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O PAPEL DA MÍDIA NA DIFUSÃO DO RACISMO E O SILÊNCIO ACADÊMICO

Por: Danilo Santos


Discutir o racismo no Brasil é muito complicado. Complicado porque falta muita seriedade no debate entre o público leigo, público tanto passivo quanto ativo às práticas discursivas do racismo. No meio acadêmico a discussão é riquíssima no sentido de trazer à tona novas abordagens e reinterpretações sobre o nosso passado colonial escravocrata. Mas o debate perde em qualidade quando o tema “racismo” se fecha, se isola nas comunidades acadêmicas. Quando isso acontece, o alcance dos discursos racistas por parte das camadas conservadoras é muito maior sobre a sociedade. Há necessidade dos pesquisadores acadêmicos democratizarem os frutos das suas pesquisas nas mídias mais acessíveis e em linguagens acessíveis aos leigos. Se isso não acontecer, discursos preconceituosos dos Danilos Gentilis serão mais receptivos, alimentando as práticas racistas que vemos na atualidade.


Um dos principais argumentos dos racistas, é o de que no Brasil não existe racismo. Para eles, o que existe é um “coitadismo exacerbado” que vê racismo em tudo. Para construírem tal argumento, utilizam o famoso bordão: “Mas que mal há em chamá-lo de macaco? Me chamam de palmito e eu nem ligo.” É o que dizem os Gentilis. O que eles ignoram é o fato de que a ideologia inerente à animalização do negro, foi um fator determinante para legitimar a escravidão dos negros africanos desde os tempos em que aquele continente se viu sob o jugo do império islâmico. Até nos escritos gregos da Antiguidade, principalmente nos escritos de Hipócrates e Galeno, ambos, médicos, o negro africano é representado analogicamente à condição animal. Mas vou simplificar e falar mais da construção da identidade nacional na perspectiva oficial para mostrar o quanto é equivocado o argumento de que não há mal algum em denominar um negro de “macaco” e o que isso implica na prática.


Quando se deu a Abolição, em 13 de maio de 1888, Joaquim Nabuco disse que as conseqüências de mais de 300 anos de cativeiro perdurariam por 100 anos. Passaram-se os 100 anos e as conseqüências ainda perduram. Nabuco errou no cálculo, infelizmente. Mas o que Nabuco realmente quis dizer? A quais conseqüências ele se refere? Acredito que o maior visionário e que respondeu a essa pergunta, foi Machado de Assis. Machado de Assis dizia que o negro, após a Abolição, não conquistaria plena liberdade porque continuaria excluído do projeto de construção da identidade nacional. Dizia que as estruturas opressivas aos escravos se (res)significariam na opressão e exclusão dos “cidadãos negros”. A República prometia em seu discurso a elevação de todos os homens à categoria de “cidadão”. Isso no discurso. Na prática os negros continuaram relegados à condição de sub-humanos. Se antes havia a figura do capitão do mato, na República teríamos a figura do agente policial à caça de “vagabundos”.

Sem direito à terra e expulsos das grandes fazendas, a massa de ex-escravos ocupariam os centros urbanos. Sem emprego, exerceriam o trabalho informal, à mercê da repressão policial. Nas antigas fazendas, no lugar do negro vieram os europeus brancos. Enquanto vinham europeus, a entrada de africanos no país passou a ser proibida. A estratégia oficial era o branqueamento do país. O governo brasileiro até bancava a viagem de negros que quisessem voltar à África. A Educação Eugênica vigorava nos currículos escolares, ensinando aos cidadãos brancos a superioridade da “raça”. Os escritores que tentavam dar uma identidade nacional ao Brasil, bebiam na fonte de escritores europeus que difundiam uma concepção determinista evolucionista das raças. Neste sentido, para Karl Von Martius e Varnhagen, historiadores do Império, o entrave para o desenvolvimento do Brasil era a raça negra.

Para se ter uma idéia da força dessa ideologia, empresto a análise feita pelo professor Eduardo França Paiva sobre a pintura abaixo.



O nome da pintura já nos diz muita coisa. Portanto, iniciaremos pela análise do mesmo. Cã foi o filho de Noé que foi repreendido pelo pai por ter visto o patriarca nu. Na tradição lendária judaica, por essa falta cometida, os descendentes de Cã foram amaldiçoados à escravidão, os Canaanitas. Mas na Bíblia não diz nada sobre a cor da pele desses descendentes, e mais, os Canaanitas não eram do continente africano, mas sim vizinhos dos Hebreus no Oriente Médio. Mas de onde Marco Feliciano tirou a idéia de que eram os negros africanos os amaldiçoados? Aí que entra outro personagem na História: o Islã. Na versão lendária do Islã, os africanos seriam os descendentes amaldiçoados de Ham, outro filho de Noé. Foram os muçulmanos que deram essa versão para legitimar a escravidão na África já no califado Abássida. Como o Islã dominou a Península Ibérica, da qual faz parte Portugal, os portugueses se apropriaram dessa versão muçulmana para legitimar a escravidão africana nas suas colônias.

Analisando agora a pintura em si, a mulher mais negra é a alegoria dos descendentes de Cã e do passado colonial. Não esqueçamos que a pintura é de 1895, já na República. Portanto, ela nos diz muito sobre o ideal de nação da oficialidade do poder. No centro, há a moça mulata, filha da velha negra. A mulata já sofreu o processo de mestiçagem. O homem, mais branco, é a analogia do típico italiano camponês. A criança, já de pele totalmente branca, é a analogia do futuro. Um futuro em que não haveria mais negros por conta do processo de mestiçagem. O futuro da República e do desenvolvimento. A velha negra levanta as mãos aos céus se redimindo, agradecendo aos céus por não legar um futuro negro à nação. A criança faz um sinal de “Abenção”, que remete ao Cristianismo primitivo, como se quisesse dizer “Amém”.

Como podemos ver, numa só pintura analisada, podemos sintetizar vários discursos dos intérpretes não só do Império, como também dos posteriores à Abolição. De fato, essa ideologia de exclusão do negro na formação da nação por meio da mestiçagem, já que acreditavam que quanto mais mestiçagem mais branca seria a Pátria, refletiu na exclusão do negro na conquista pela cidadania.

Só para citarmos como exemplo como se deu essa exclusão, basta uma simples abordagem sobre a Revolta da Vacina, ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 1904. A República vinha com a promessa de modernizar e isso implicaria reformas urbanas. É quando o pais quer se mostrar desenvolvido aos olhos do mundo. Como vimos que desenvolvimento era sinônimo de branqueamento, tendo como espelho a Europa, especialmente a Paris da Bélle Epocque, não seria bem quisto um Rio de Janeiro cujo centro urbano transbordava negros para todo lado. Nos diários de viajantes da época há relatos de abominação à cidade por conta da grande quantidade de negros.

Os negros eram descritos como “fezes sociais” nos relatórios de polícia. Os responsáveis pelo atraso, pela desordem. Aí que a política higienista de Oswaldo Cruz caiu como uma luva para expulsar os negros do centro da cidade. Durante a matança de negros pela polícia, nos relatórios oficiais os negros eram rebaixados às doenças contagiosas as quais a reforma higienista se propunha a neutralizar. Os que conseguiram sobreviver, ocuparam os morros, que hoje são as favelas. Outros foram colocados em porões de navios e asfixiados com cal e mandados para trabalhos forçados na Amazônia. Muitos nem sobreviveram à viagem.

Excluídos do projeto de nação, os negros não tiveram acesso a direitos sociais básicos que lhes proporcionassem ascensão social. Não conseguiam trabalhos formais, eram em sua maioria analfabetos e por serem analfabetos, não tinham nem direito ao voto. Então, temos que vasculhar o passado e ver quais as conseqüências desse passado no nosso presente. Ao negar a humanidade de um ser Humano, chamando-o de macaco, estamos trazendo à tona um discurso utilizado por centenas de anos para legitimar a segregação e a exclusão. Esse discurso preconceituoso reflete nos dados estatísticos sobre repressão policial, defasagem educacional, desigualdade social. Reflete na dificuldade de lutar pelos direitos políticos e sociais. Não adianta dizermos que não há racismo quando no Brasil a pobreza, o analfabetismo e os cemitérios têm como cor dominante a cor negra.

Está mais do que na hora dos acadêmicos e pesquisadores envolvidos com os temas relacionados ao racismo tomarem os espaços dos propagadores conservadores. É inadmissível que sujeitos como Danilo Gentili permaneçam à vontade para difundir o racismo sem respostas à altura da sua audiência. Ao acadêmicos, peço que deixem essa redoma universitária de congressos e seminários, e venham para a rua. Ocupem os jornais mais populares, as rádios, os canais de TV. Fiquem cara-a-cara com a sociedade e dialoguem numa linguagem acessível. De nada adianta escrevermos somente para revistas científicas se tais mídias não chegam às mãos daquele aluno de Ensino Médio que assiste pela TV a difusão do racismo velado e hipócrita. Se tal iniciativa não partir daqui de baixo, não vai partir nem de Globo, nem de SBT e nem de nenhuma mídia de grande audiência, uma vez que tal iniciativa afeta diretamente os interesses dos que se mantém no privilégio rebaixando os demais pela cor da pele.  

domingo, 21 de setembro de 2014

LUCIANA GENRO E A IMATURIDADE INTELECTUAL DE DANILO GENTILI

Por: Danilo Santos

Ao assistir à entrevista de Luciana Genro no programa “The Noite”, do Danilo Gentili, os telespectadores se debateram nas redes sociais. Uns defendendo Luciana Genro e outros defendendo Gentili e Roger. O foco da polêmica foi o Socialismo, ideologia a qual segue o partido da candidata.
A grande questão é: até que ponto tal debate é produtivo? Faço esta pergunta por que o debate em torno do Socialismo nas redes sociais sempre vem acompanhado de algumas frases prontas do tipo: “O Socialismo matou 80 milhões”, “Na Rússia.....”, “Em Cuba....” “Na China....” “Na África....”. Toda vez que um candidato ou candidata como Luciana Genro vai a um programa de televisão, sempre aparecem as mesmas frases prontas. Como se Luciana Genro, numa  possibilidade de ganhar a eleição, fosse capaz de fazer um movimento de massas camponesas e operárias para fazer uma revolução armada. Analogias como essas é o que denomina-se anacronismo.
Por mais que façamos um esforço intelectual para corroborar com a idéia de que o “Socialismo” stalinista e os demais que “mataram 80 milhões” não fossem deturpações das propostas de Marx, a pergunta que eu faço é: em que medida há alguma possibilidade de no Brasil haver um movimento de massas com o objetivo de tomar o poder? Ora! Isso é condição primordial para se realizar o Socialismo na prática. Caras como Danilo Gentili e Roger pecam em fazer analogias à URSS sem levar em conta o contexto histórico brasileiro. No Brasil, em nenhum momento da história o povo participou efetivamente de um movimento revolucionário em que tivesse como objetivo tomar o poder. Na Independência, o povo esteve ausente. Proclamação da República, ausente. Revolução de 1930, ausente. Mesmo no golpe militar de 1964 não houve nenhuma reação que desencadeasse uma grande guerra civil, caindo por terra o discurso do “perigo comunista”. O que tivemos foram pequenos grupos de guerrilheiros.
Partindo dessas breves considerações, é muita imaturidade intelectual demonizar uma candidata socialista com analogias anacrônicas. Se quisermos criticar o socialismo de Luciana Genro, devemos levar em consideração as propostas socialistas dela para o Brasil. Mujica é socialista e nem por isso uruguaios estão sendo fuzilados. Luciana Genro disse na entrevista que é bom termos utopias, pois mesmo que não alcancemos o topo de todos os sonhos para uma sociedade melhor, a utopia nos faz subir alguns degraus. No passado, quando crianças, mulheres e homens morriam de fome durante a Revolução Industrial, quando trabalhavam 16 horas diárias em fábricas imundas e onde se acidentavam e não tinham direito algum de indenização, a ideologia socialista serviu a essa massa na luta por melhores condições de vida. Nesse sentido, Luciana Genro foi sincera ao dizer que tem lado.
Da mesma forma que não podemos radicalizar sobre o capitalismo, não podemos sobre o socialismo. A Humanidade conquistou muitos avanços com o capitalismo, mas foi preciso coexistir com o socialismo, caso contrário, muitos direitos da classe trabalhadora jamais existiriam. Agora, radicais há de ambos os lados, tanto do socialismo como do capitalismo. Temos como exemplo os genocídios de Stalin, como temos também os genocídios neo-colonialistas na África por conta do capitalismo. Poderíamos citar muitos exemplos catastróficos de ambas ideologias, levando o debate para um fanatismo exagerado.
O que devemos levar em consideração é que vivemos uma outra realidade. O Brasil não é uma Rússia do início do século XX e nem a esquerda de Luciana Genro difunde luta armada das massas para tomar o poder. O socialismo de Luciana Genro se limita a dar melhores condições de vida aos mais pobres, mas por vias constitucionais. Portanto, não faz o menor sentido fazer analogias com Stalin.