terça-feira, 13 de agosto de 2013

O DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO: CONTROVÉRSIAS DO SISTEMA

O DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO: CONTROVÉRSIAS DO SISTEMA

Por: Danilo Antonio dos Santos

Este artigo que escrevo é para complementar as matérias anteriores. Nele colocarei minha opinião, porém embasada em referências bibliográficas específicas sobre o tema. Cabe lembrar que não entendo nada de Ciência Jurídica. Sou historiador e não advogado. Há uns dias, fiz um convite em minha página no facebook para que algum advogado se dispusesse a escrever este artigo. Postei na minha time line e num grupo de estudos que tenho, no qual há 500 membros. Alguns amigos também compartilharam meu convite, porém até agora não obtive nenhuma resposta. Nenhum advogado se dispôs ou se ofereceu a escrever sobre o tema neste blog.

Outra questão que me levou a escrever este artigo, foi algumas discussões que tive no próprio facebook com um ex-governante municipal sobre o Direito à Saúde. Na visão do ex-governante, o município tem limitações para agir na distribuição de remédios e tratamento de doenças. Ele citou portarias e um tanto de leis que fazem com que o poder municipal cumpra à risca o sistema. Minha intenção aqui não é prejudicar a imagem de ninguém, mas sim mostrar as falhas do sistema. Mostrar a vocês como a Carta Magna é violada pelo poder estadual e municipal, e por que não pelo poder federal? Talvez eu esteja errado, pois o que aqui vou escrever é a minha versão embasada no mínimo de conhecimento que tenho sobre o tema.

Bom, vou direto ao assunto. Segundo o artigo 6º da Carta Magna:

“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Como vemos, o Direito à saúde faz parte de um dos artigos da própria Constituição de 1988. O Legislador ao incluir o Direito à vida sob proteção do Estado, é porque considera a mesma como bem de maior valor e inviolável, como diz Torres:

Proteger a saúde do indivíduo nada mais é senão efetivação ao texto constitucional que garante, com proteção integral, a inviolabilidade do direito à vida,  bem de maior valor, previsto no artigo 5º da CF/88. Ciente da magnitude deste bem, como também da sua fragilidade, o constituinte não poupou esforços em protegê-lo e o elencou como preceito fundamental, incluindo-o no rol dos direitos e garantias fundamentais.” (TORRES, 2012)

 Por mais que o Estado crie obstáculos ao executar os deveres que lhe cabem, obstáculos amparados por portarias que camuflam a ilegalidade das suas ações sob o amparo do que se entende por “Leis”, ele sempre estará passando por cima da própria Carta que o garante como tal:

 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Isso significa que o Direito à saúde é igualitário para todos os cidadãos e um dever do Estado. Não existe nenhuma portaria capaz de falar mais alto do que o que está escrito na Constituição, já que todas as demais leis se baseiam por ela. A Constituição é como se fosse o tronco da árvore, e as portarias e emendas como se fossem os galhos e as folhas. Se uma Lei não está em consonância com  a essência constitucional, essa Lei é inconstitucional.

“A omissão do poder público viola regra     profundamente enraizada na consciência ética e jurídica dos povos civilizados, de sorte que ao Estado não é dado, mesmo por inação, tirar da pessoa aquilo que a ela não deu, vale dizer, a vida. Está-se aqui diante daquilo que os juristas conhecem como omissão juridicamente relevante, pois o Estado tem, por força da carta magna, obrigação de cuidado e proteção. Sonegar um remédio vital, imprescindível à sobrevivência do enfermo, é conduta da maior gravidade, não escusável, sobretudo à vista do mandamento inscrito no artigo 198, II, da Constituição Federal. A mesma carta constitucional que garante o direito à vida, dá ao homem público os meios para prover a fruição do direito, que estão nos artigos 195 e 198, parágrafo único, daquele texto.” (SOUZA, 2012)

O trecho acima ilustra perfeitamente o que venho dizendo nas redes sociais. Nenhuma desculpa para negar remédios é válida, uma vez que o município faz parte do Estado e tem as mesmas responsabilidades. Se a desculpa for por falta de dinheiro, o município tem condições e meios de cobrar os demais poderes. Em caso de urgência, o município poderá até ignorar as portarias que lhe impede de executar seus deveres para com o cidadão necessitado. Ou seja, a sua vida é sim responsabilidade do município, representação e representado do Estado na figura do prefeito e vereadores.

“Não haverá de ser uma Portaria ou Protocolo, norma de terceiro escalão na hierarquia do ordenamento jurídico, a restringir a aplicação da lei e da regra constitucional. O Sistema Único de Saúde não implica o reconhecimento de um papel de simples gerenciamento das ações de saúde por parte do Estado membro. Aliás, o artigo 6º da Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro, ao dispor sobre as condições para a prescrição, proteção e recuperação da saúde, estabelecendo diretrizes para a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, permite entender que aquele conjunto de ações integradas não comporta aplicação restritiva”(SOUZA, 2012)

A própria responsabilidade igualitária dos poderes federativos é descrita na Constituição.

“O Estado brasileiro foi constituído de forma federativa, conforme reza o artigo 60, parágrafo 4º, I, da CF. Assim, todos os entes federativos, ou seja, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, possuem a mesma obrigação de promover a saúde pública de forma solidária. 
O intuito do constituinte, ao estabelecer a gestão da saúde pública como obrigação de todos os entes, foi observado inclusive no artigo 198, § 1º, da CF, ao criar um Sistema Único de Saúde, em que o financiamento conta com recursos orçamentários da seguridade social, da União, Estados, Distrito federal e Municípios, além de outra fontes.
Portanto, é de responsabilidade solidária de todos os entes federativos a concessão de medicamento, podendo o cidadão diante da negativa do fornecimento demandar contra qualquer um dos entes estatais ou contra todos.” (TORRES, 2012)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como sabemos, vivemos num sistema neoliberal capitalista. Isto significa que o sistema prega a menor intervenção possível do Estado na economia e nos demais setores, inclusive na saúde. Por isso constatamos atualmente a falência do SUS, enquanto que empresas de convênios médicos abocanham cada vez mais recursos que poderiam ser destinados à saúde pública. Não é de interesse das grandes corporações que você tenha um sistema público de saúde de qualidade, uma vez que isso não geraria lucros às indústrias farmacêuticas e hospitais particulares. Essas empresas financiam campanhas eleitorais, assim como os ruralistas fazem. Neste sentido, lutar por uma saúde pública de qualidade como manda a Constituição, é colocar a cara à tapa num sistema comandado por grandes corporações que têm poder sobre o nosso sistema jurídico e político, por isso muitas das portarias que restringem o uso de medicamentos essenciais à vida passam por cima da Carta Magna.

Pensar em estratégias que burlem esse sistema corrupto e injusto não é fácil, pois ao fazê-lo você estará burlando as leis que as próprias estruturas opressoras criam em benefício próprio. Essas estruturas têm o aval da imprensa e dos melhores juízes do país. Elas têm o aval de governadores e senadores. Por isso eu considero a nossa Carta Magna um peso morto. Se você vive num país em que seus direitos só são garantidos no papel, você tem o dever moral de violar as leis que te oprimem no dia-a-dia, como disse Martin Luther King. Nenhuma burocracia pode ser mais importante do que a sua vida. Neste sentido, os fins justificam os meios.

REFERÊNCIA

TORRES, Fabio Camacho Dell' Amore. Direito à saúde e a responsabilidade solidária dos entes federativos. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 fev. 2012. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.35767&seo=1>.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

NEM SÓ DE FILÓSOFOS VIVE ATENAS: AS REPRESENTAÇÕES DO RURAL PELOS MEMORIALISTAS CAMANDUCAIENSES[1]

DANILO ANTONIO DOS SANTOS


Universidade do Vale do Sapucaí
Av. Pref. Tuany Toledo, 470 – 3750-000 – Pouso Alegre-MG – Brasil



Resumo: Neste artigo analisamos as representações do rural por dois memorialistas camanducaienses. Por ser um município que teve intensa relação com práticas rurais, entendemos que os homens campesinos foram excluídos da historiografia oficial, sendo representados de formas pejorativas pelas elites letradas. Para essas elites, o município era a terra dos filósofos e por isso a chamaram de Atenas do Sul de Minas. Portanto, a exaltação dos aspectos considerados eruditos, legou ao rural as representações de arcaico e incivilizado.

Palavras-Chave: Camanducaia. Rural. Memorialistas


Neste artigo analisamos as representações do rural por dois memorialistas do município de Camanducaia-MG. Este município localiza-se no Sul de Minas Gerais, à margem da rodovia Fernão Dias, mais ou menos a 70 Km de Pouso Alegre. Atualmente é um município com mais ou menos 21 mil habitantes, onde mais ou menos 5 mil vivem nas zonas rurais.

Apesar de atualmente apenas ¼ da população viver na zona rural, até a década de 1970 essa população campesina era majoritária à população urbana, porém pouco aparece na historiografia oficial. E quando é citada, é de maneira pejorativa. Para compreendermos essa questão, analisamos os discursos de duas principais obras memorialísticas. A primeira é do memorialista Plínio Gayer, cuja obra chamada Anuário Jaguary[2] foi escrita na década de 1920. A segunda obra é do memorialista Benedito Silva Santos, cuja obra chamada Fragmentos da História de Camanducaia foi escrita na década de 1960. Ambos foram políticos locais.

As duas obras têm em comum a exaltação às elites locais e aos homens letrados. São obras que pintaram uma cidade como tendo um passado glorioso, em que se destacava pelo grande número de intelectuais, e por isso, denominada por Benedito Silva Santos de Atenas do Sul de Minas, em alusão à antiga cidade grega conhecida na história por seus filósofos. Esses discursos são reproduzidos até a atualidade, constatando a escrita dos dois memorialistas como um forte discurso da memória oficial.

Somos uma cidade com um passado riquíssimo, com inúmeros nomes se destacando nas letras, música, artes, educação, esporte e também na política, com gente nascida aqui que chegou a fundar grandes cidades pelo Estado de Minas e também outros que ganharam destaque na política estadual. Chegamos a ser a principal cidade do nosso extremo Sul de Minas, com várias localidades que hoje são cidades, pertencendo a nossa comarca.[3]

Como podemos perceber, o passado é representado de maneira nostálgica, “tempos áureos”, onde se produzia capital intelectual. Não só isso, o passado, na narrativa da memória oficial, também serve de padrão para se pensar o futuro. Para os políticos camanducaienses, há uma necessidade de (re)construir o passado, já que eles entendem que o que se é representado sobre os tempos idos se enquadra para todas as classes sociais, como se os discursos de “progresso” fossem para todos os homens do coletivo municipal. Por isso falam sempre no plural, como se os “tempos áureos” fossem para todos os cidadãos: “...temos que adotar medidas para recolocar Camanducaia entre as principais cidades do nosso Sul de Minas, pois o sentimento é que a cidade está estagnada, parou.”[4]  Esse discurso sempre foi o mesmo nas décadas passadas. Tão semelhantes, que chegam a ser quase que com as mesmas palavras.

Parabéns Camanducaia, se hoje, às vezes , você não se destaca entre as principais cidades de Minas, outrora você se destacou entre as principais cidades do país, com relação a sua cultura retratada por políticos, músicos, poetas, compositores e escritores que levaram seu nome a lugares distantes, não apenas para ser reconhecida mas para ser respeitada. [...] estamos torcendo para que você reconquiste seu lugar na história [...] e se transforme em mais uma cidade apenas moderna.[5]

Nesta perspectiva, tudo o que não é erudito não merece ser lembrado. Dar créditos às memórias de sujeitos que não se enquadram na memória oficial é colocá-la em xeque, é expor os conflitos de uma sociedade extremamente desigual, onde a maioria das pessoas não tinham acesso à escola, eram exploradas pelos grandes fazendeiros, eram privadas de médicos, não tinham condições financeiras para comprar remédios e nem roupas. Ao analisarmos o passado apenas pelo olhar dos intelectuais, a impressão que temos é de que todas as pessoas viviam em conforto absoluto, portanto, ao reproduzirmos o que a memória oficial nos diz, não nos é possível enxergar os homens e mulheres que levantavam ao clarear do dia para trabalhar a terra. Não nos é possível enxergar os homens e mulheres que alimentavam o comércio citadino com seus produtos vindos do campo.

Se entendermos a História apenas pelos parâmetros econômicos e políticos, caímos em generalizações que nos conduzem à inércia crítica. A memória oficial não é coletiva, embora as classes hegemônicas queiram que assim pensemos. Se a memória oficial fosse coletiva, então acreditaríamos que a Independência do Brasil fez de todos os homens do século XIX livres. Acreditaríamos que a Proclamação da República em 1889 beneficiou a todos os homens e fez deles cidadãos. Se a memória oficial fosse coletiva, acreditaríamos que todos os homens foram beneficiados com os projetos de modernização no século XX. Por isso, entendemos a História no plural, onde não existe uma memória coletiva, mas sim memórias coletivas. A Independência do Brasil não surtiu o mesmo efeito para os negros e pobres, se comparando com os benefícios aos latifundiários. Os projetos modernistas do século XX não beneficiaram os pobres que viviam nos centros urbanos e que foram afetados diretamente pelas políticas higienistas. Há um grande equívoco em pensar que os benefícios conquistados pelas classes dominantes sejam igualmente partilhados pelas classes miseráveis economicamente. Sobre essa discussão da memória coletiva, Portelli nos diz:

Se toda memória fosse coletiva, bastaria uma testemunha para uma cultura inteira; sabemos que não é assim. Cada indivíduo, particularmente nos tempos e sociedades modenos, extrai memórias de uma variedade de grupos e as organiza de forma idiossincráticas. Como todas as atividades humanas, a memória é social e pode ser compartilhada (razão pela qual cada indivíduo tem algo a contribuir para a história “social”); [...] ela só se materializa nas reminiscências e nos discursos individuais. Ela só se torna memória coletiva quando é abstraída e separada da individual: no mito e no folclore (uma história para muitas pessoas...) (PORTELLI, 2002, p. 127) 

O livro de Plínio Gayer, escrito em 1924, se resume, não poderia deixar de ser, à exaltação das classes elitistas da época. O rural pouco é citado e quando o é, lhe é atribuído conotações pejorativas. Essas famílias elitistas não estavam alheias aos ideias modernistas republicanos, pois estavam em constante contato com cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, principais cidades difusoras desses ideais. Neste contexto, tudo o que remetia ao rural era visto como arcaico e pitoresco. Logicamente que, sendo assim, o rural não seria alvo de registros, uma vez que apresentaria as disparidades sociais vigentes. Enquanto se embelezava as praças com chafarizes de alto custo financeiro, enquanto as elites se vangloriavam por possuírem luz elétrica e carros de luxo, os homens campesinos viviam sob as luzes de lamparinas à querosene. Portanto, não seria conveniente às classes elitistas exporem em seus registros escritos e imagéticos os aspectos que contradiziam os seus ideais de progresso, já que:

Basta lembrar o fascínio que os dominantes exercem sobre os dominados através de seu cotidiano: roupas, veículos, joias, moradias, textos, regras de comportamento se impondo como ideal de vida. Basta lembrar também o papel que museus exercem na difusão desses valores pelo tipo de acervos que habitualmente preservam. (KHOURY. PEIXOTO. VIEIRA, 2008,p. 27)

Nos poucos textos do livro em que os aspectos do rural aparecem, em um deles encontramos claramente o papel do homem campesino na economia do município. São os homens do campo que abastecem a cidade, num fluxo de mercadorias cujo sentido se inicia no campo:

Das chacaras proximas e dos sitios distantes uma legua, mais ou menos começam a chegar os leiteiros. São meninos que vêm em seus cavallicoques, ou em eguas mansas, montados sobre um sapicuá, onde as garrafas de leite se alojam, de um e outro lado do arreio, como se fossem gaitas de orgam. Ziguezaguando de uma casa a outra, ás portas annunciam, com voz infantil:
---Leite!... [...] Passam pela rua central tropas de cargas, a madrinha bimbalhando, na frente, seu sincerro. Os roceiros tambem chegam, trazendo para vender aos comerciantes seus cevados mortos. Ao longe, as metades, pendentes nas cangalhas, parecem fatias enorme de melancia madura e de casca fina.[6]

Apesar de nos fornecer esses pequenos detalhes da presença dos sujeitos campesinos na vida citadina, em outro trecho do mesmo texto, Plínio Gayer não se exime em representar com sarcasmo, por meio indireto, a prática dos camponeses em produzirem os chás de erva para tratarem suas enfermidades ao descrever sobre a falta de cuidados médicos. Não só longe dos benefícios que a cidade oferecia, os camponeses também não possuíam recursos financeiros para consultas médicas, chegando na maioria das vezes ao óbito: “Lá do alto aparece um grupo de homens, descendo apressado. É o enterro de um roceiro, que, em geral, morreu á mingua de recursos médicos. É certo que tomou remédios”. Quando escreve “É certo que tomou remédios”, Plínio Gayer se refere aos remédios caseiros produzidos pelos campesinos, portanto, na sua compreensão, sem efeitos benéficos.

Ainda analisando as representações do rural no livro de Plínio Gayer, damos destaque a uma fábula onde podemos perceber por meio das alegorias desenvolvidas em torno dos aspectos considerados “atrasados” pela mentalidade erudita da época. Na fábula chamada O ridículo do sapo, o sapo em questão faz alusão ao roceiro, ou seja, o camponês. No enredo da historinha, o sapo é um personagem que resolve deixar o seu meio para se aventurar nos bailes da cidade. O sapo vivia em um meio rústico, longe da “civilização” (cidade). Só via o mundo “através da fumaça do seu cachimbo”, sendo o cachimbo um objeto que alude ao arcaico. Transcrevemos abaixo a fábula para que possamos melhor analisá-la.

No charco,entre as folhagens, vivia o sapo feliz e satisfeito a fumar o seu cachimbo. O grillo, um seu compadre, bohemio incorrigivel, que passava as noites inteiras a beber cerveja e a cantar, quebrava a monotonia da vida do chaco com sua serenatas.... Os vagalumes, voando luminosos, serviam de faiscantes lampadas eletricas... E o sapo via o resto do mundo através da fumaça de seu cachimbo.  Certo dia a vida do sapo sofreu uma completa transformação. O sapo perdeu a cabeça. Estava apaixonado por uma estrella, que elle via luzir todas as noites quando abria a janela para receber a serenata do seu amigo grillo. Sahiu então de sua simplicidade, envergou uma casaca, apertou sua tradicional barriganuma cinta elastica,  substituiu o cachimbo por um charuto e abalou para o club, onde costumavam bailar as estrellas. Ao penetrar o salão sentiu logo que aquelle não era seu ambiente. Ficou atordoado com o barulho infernal da orquestra onde havia, uma combinação de estardalhaços, desde a sanfona até o jazz-band. Contudo, não desanimou. Arriscou um fot-trot. Coitado, só sabia pular, suas pernas não permitiam os passos desta dança. Foi um desastre. Todo o salão divertiu-se á sua custa. Foi o bôbo da festa. Quando compreendeu a situação já era tarde. O espetaculo estava dado... E envergonhado o pobre sapo desapareceu no charco, para nunca mais surgir em público....[7]

                Decodificando a fábula em questão, encontramos palavras chaves que merecem atenção, pois somente assim poderemos compreender a caracterização do camponês pelo autor. O sapo, que caracteriza o camponês, onde a fábula faz alusão ao mesmo, troca seu artigo não luxuoso, como o cachimbo por exemplo, por um charuto, objeto que alude ao luxo da elite, além de dar mais conotação de status, uma vez que para se apresentar a um meio o qual não é o seu, há que se caracterizar como um burguês. Por isso também o uso da casaca. Como não está adaptado aos costumes burgueses (suas pernas não permitiam os passos desta dança), já que é cegado pelas tradições arcaicas do rural (fumaça do cachimbo), o camponês se passa por ridículo ao tentar ser o que não é; por isso é fácil ser notado. Não se adapta “ao barulho infernal da orquestra” (ritmo não monótono da cidade). Neste sentido, o “ser” burguês, nas representações da fábula, não implica apenas se vestir como tal, mas também seguir os padrões de comportamento estipulado por essa classe. A partir desta perspectiva, percebemos no texto de Plínio Gayer não só as representações do camponês, mas também os valores burgueses. Representações contrastantes de campo e cidade, onde se reforça a valorização dos aspectos citadinos ridicularizando os aspectos campesinos.

Mais do que fazer as representações do camponês por meio da escrita codificada da fábula, Plínio Gayer, em nota logo abaixo ao texto, diz diretamente a quem se refere, não deixando dúvidas seu incômodo pelo sujeito que simboliza para a burguesia o “atraso”. A cidade, neste sentido, não seria o lugar do camponês permanecer, pois suas práticas culturais não corresponderiam aos valores que aludem à “civilização”.

Como o sapo fazem muitos roceiros, que deixam de galope a rusticidade do campo pela civilização exótica dos salões. São logo notados, estão deslocados de seu meio. Que a história do sapo sirva de exemplo.[8]

Partindo desse pressuposto, o campo seria a representação da barbárie, uma vez que, apesar do autor não citar a palavra “bárbaro”, cita o seu antônimo: civilização. Resumindo, o esquema proposto é simples: Cidade = civilização, campo = bárbaro. Há que se destacar que o próprio conceito de civilização está intimamente ligado à concepção de cidade, portanto, o próprio conceito tem conotação segregacionista, uma vez que desenvolve valores pejorativos às culturas e costumes alheios aos padrões citadinos.

A associação entre cidade e civilização remonta aos próprios primórdios do desenvolvimento urbano. Cidade e cultura escrita nasceram juntos como componentes formadores daquilo que tradicionalmente se convencionou chamar de “civilização”. (BARROS, 2011, p. 101)


O livro de Plínio Gayer transmite a forte influência dos ideais da Bélle Epoque, onde as elites almejavam um afrancesamento da cultura urbana. Por isso a exaltação aos comportamentos e aos sujeitos que mais se aproximavam dos códigos de posturas europeus. A Europa, nesse sentido, é espelho para as práticas culturais das elites, que, ao enxergarem nesse continente as representações do que entendem por moderno, afrancesam-se no idioma, afrancesam a cidade na arquitetura e na paisagem.

Foram essas representações do passado camanducaiense que nos chegaram até o presente. Dessa maneira, ainda é muito comum, principalmente em épocas eleitorais, ouvirmos discursos que exorcizam esse passado europeizado, áureo, onde os “nossos intelectuais” se destacavam na política e nas artes. Para problematizar essa questão, caberia perguntar se a maioria dos cidadãos eram afrancesados assim como as elites. Talvez na resposta estaria a verdadeira questão pela qual as culturas que representavam o atraso aos olhos das elites não foram e não são dignas de serem lembradas. Talvez seria desconfortável para os intelectuais que escreveram sobre a cidade de Camanducaia apresentar nas suas memórias a cultura caipira[9] a qual eles estavam em constante contato, já que eram os homens do campo, depositários dessa cultura, que produziam os alimentos, eram eles que faziam o transporte de mercadorias nos carros de bois, eram eles que abriam as estradas vicinais com enxadões.

Comecemos por analisar os silêncios. Já que a intenção era consolidar uma identidade erudita para a cidade de Camanducaia, logicamente que estratégias deveriam ser colocadas em prática para que o meio rural ficasse de fora da escrita dos memorialistas. Quando falamos em estratégias de silêncios, não queremos dizer que o meio rural não fora citado, mas sim as formas de abordagens sobre esse meio é que são excludentes. Sendo assim, os camponeses são representados como sujeitos simples, vivendo em harmonia com a natureza exuberante, “mostrando apenas sua inocência, e escondendo suas misérias.” (WILLIAMS, 2011, p. 39)

Ali está o nosso lavrador que ama sua terra fértil, ladeada por colinas manchadas de vegetação, tendo ao fundo o céu azul, que a noite serena salpica de estrelas ...de silêncio. É êle o homem corajoso e honesto, que no anonimato do seu trabalho quotidiano, dialoga com suas pequenas sementes e colabora no engrandecimento de sua terra. [...] As casinhas, geralmente brancas, dão um toque de realeza à paisagem, onde a vida se escôa calmamente ao compasso inalterável de uma orquestração Divina.   [10]


Essas representações sobre o campo, para Williams, remontam à Antiguidade clássica e:

Em torno das comunidades existentes, historicamente bastante variadas, cristalizaram-se e generalizaram-se atitudes emocionais poderosas. O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida --- de paz, inocência e virtudes. À cidade associou-se a ideia de centro de realizações --- de saber, comunicações e luz. [...] o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação. (WILLIAMS, 2011, p. 11)

Há que se contextualizar a década em que Benedito Santos escreveu seu livro, pois somente assim entenderemos os motivos de se consolidar uma memória oficial e os valores que ela propagaria posteriormente; e que infelizmente, ainda se fazem presentes. A década de 1960 ficou marcada com as tentativas de Reforma Agrária. As elites conservadoras tremeram de medo quando João Goulart propôs as Reformas de Base em 1964 ao Congresso Nacional. O País passava por um processo de desenvolvimento industrial que se iniciara com o governo Vargas e que se intensificou com o governo JK. Esse processo desenvolvimentista afetava também o campo, pois os fazendeiros expulsavam os antigos parceiros, colonos, para dar lugar aos maquinários. Os que ficavam sem terra para plantar, mudavam-se para as cidades. As propostas de Reforma Agrária de Jango iam de encontro aos interesses do agronegócio exportador, uma vez que se propunha ceder as terras não utilizadas pelos fazendeiros às massas de trabalhadores sem terra. Sendo assim, a maneira encontrada pelas elites conservadoras de se safarem foi dar o Golpe de Estado, ou seja, implantou-se uma Ditadura Civil-Militar em 1964. Civil-Militar porque a Ditadura teve apoio de segmentos sociais civis como a Igreja e a imprensa.

Com a Ditadura, mais os discursos desenvolvimentistas propagados pela televisão e o rádio, o êxodo rural era uma constante. Os camponeses que viviam sob o julgo dos fazendeiros, mudavam-se para as cidades à procura de melhores condições de vida. Logicamente que também havia os deslocamentos causados pelo fracionamento espacial do campo, onde as divisões de herança obrigavam herdeiros da terra a expulsar parte dos colonos devido à pouca produtividade agrícola. Camanducaia não ficou alheia a essas transformações, recebendo no meio urbano uma pequena massa de trabalhadores rurais a partir do final da década de 1960. Alguns camponeses não permaneceram e mudaram-se para São Paulo. Neste contexto, as elites políticas caíram em um dilema: aceitar a massa de “analfabetos” morando nos espaços consagrados pelos eruditos ou deixá-los ir embora para as cidades industrializadas? Já que se deixasse que eles fossem embora implicaria na falta de mão-de-obra para a construção de prédios públicos e casas, então a alternativa foi deixá-los ficar. Se as elites políticas não poderiam viver sem esses sujeitos que representavam o atraso com seus costumes vindos do campo, elas poderiam excluí-los da História da cidade. Já que o espaço citadino estava recebendo agentes sociais que não correspondiam às representações do moderno, era necessário às elites políticas buscar as origens em que essas representações se faziam presentes, por isso a nostalgia por um passado erudito.

Tudo o que aludia à cultura europeia era digno de ser exaltado e lembrado, estando a própria concepção de cultura ligada às práticas das elites políticas. Os tempos nostálgicos são caracterizados como os tempos em que os citadinos executavam músicas clássicas nas praças, encenavam peças teatrais, sempre tendo como modelo a Europa. O próprio trabalho manual é indigno de ser mencionado como prática que alude à concepção de civilização:

Por não ter muito o que fazer de trabalho manual, seu povo dedica-va se à aprendizagem da música, da pintura, da escultura, da representação teatral, para matar o tempo se deliciando! [...] Até 1925, quase todos os domingos, à tarde, uma banda de música, subia ao corêto do jardim da Praça Senador Francisco de Escobar, para executar, razoavelmente, música de Carlos Gomes, Verdi, Puccini, Mozart e de tantos outros grandes compositores. Ali, na Praça, todo mundo se reunia para prestigiar e aplaudir o espetáculo belíssimo de civilização e cultura.[11]

Percebe-se nessa narrativa, não apenas a exaltação à cultura erudita, mas também a consagração dos espaços em que se dava a sua prática. Não por acaso, a Praça Senador Francisco de Escobar é um dos lugares de memória mais usados como símbolo de progresso em Camanducaia. É o espaço mais fotografado, onde em qualquer biblioteca, em qualquer página virtual, em qualquer cartaz de propaganda que faz alusão à cidade de Camanducaia, lá está a Praça representada por fotografias. Sendo a praça em questão o símbolo máximo consagrado pela memória oficial, é a ela que se destinam as incontáveis reformas públicas, é a ela que as elites políticas recorrem como auxílio para demonstrar que os seus projetos modernistas se realizam.    

Foi justamente pelo incômodo de os “analfabetos” ocupar os espaços consagrados pelas elites, que Benedito Silva Santos escreveria que a cidade não mais se primava pela “distinção”. Mais do que fazer uma narrativa em tom preconceituoso, consagrando e exaltando os aspectos eruditos e inferiorizando os aspectos representativos do rural, as elites políticas promoveram a segregação do espaço citadino. Para que esses camponeses não ocupassem o centro da cidade, fez-se necessário a política de descentralização da pobreza, que consistia na doação de lotes nas zonas periféricas, onde se formariam os bairros do Cruzeiro e Alto do Cemitério. Era preciso reforçar a concepção de que os costumes vindos junto com os camponeses representavam o atraso, já que havia a necessidade de se fazer uma distinção entre moderno e arcaico, refletida na ocupação dos espaços citadinos. Se a cidade era reflexo do moderno, o campo representava o atraso. Atraso não no sentido restrito ao espacial do campo, mas principalmente sintetizado nas culturas dos agentes sociais campesinos que vinham morar na cidade. Percebe-se a partir de então, uma cidade que quer se mostrar ao Estado como uma cidade no rumo do progresso, mas que sofre limitações devido aos costumes arcaicos das zonas rurais. 

Agora, o seu carranquismo é devido ao “fator humano” de onde se originou e que nem custando a desaparecer, principalmente da zona rural, com os velhos costumes ainda predominando, em prejuízo do seu desenvolvimento.[12]    

A insatisfação do memorialista pelas mudanças sociais, políticas e econômicas, ocasionando todo esse processo de deslocamento da mão-de-obra campesina, é patente quando escreve: “O povo que trabalha e produz, enriquecendo a terra, êsse fugiu espavorido para trabalhar e enriquecer outras terras, amparado pela ação governamental!”[13]. Quem mais além dos trabalhadores rurais que vieram morar na cidade iria servir de mão-de-obra pública para o calçamento das ruas no futuro? Quem mais além deles iria servir de mão-de-obra para a construção de novas casas em novas ruas que se abriam?

Ambos os memorialistas eram das Ciências Naturais, sendo Plínio Gayer, médico e Benedito Silva Santos, farmacêutico. Ambos deixaram transparecer em suas narrativas um aspecto evolucionista da sociedade, próximo ao Darwinismo social. Benedito Santos foi influenciado pela escrita de Plínio quando escreveu o livro Fragmentos da História de Camanducaia. Se Plínio representou o meio rural como sendo “incivilizado”, o “charco” onde vivia o “sapo” cegado pela fumaça do cachimbo, Benedito Santos não fugiria a essa caracterização.

Em uma de suas citações, a que consideramos a mais agressiva de seu livro, Benedito Santos faz uma analogia do homem campesino à lepra, a uma doença social.

Meus senhores, nesta terra assim encantada, que as montanhas escarpadas guardam nos seus seios fecundos e prodigiosos, onde, outrora, a inteligência floresceu como o lírio imaculado, embalsamando as altas esferas da intelectualidade nacional, onde a imprensa liberal competia com as suas congêneres das grandes metrópoles onde as artes eram cultivadas como uma dádiva do céu, onde a sociedade se primava pela distinção e bom-gôsto, em noitadas elegantes e inesquecíveis, as luzes se apagaram, para dar lugar à mediocridade vicejante que, como a lepra, vem contaminando gerações e gerações, sem nenhuma providência, de quem de direito, capaz de exterminá-la do solo abençoado de nossa terra para recuperar-se da mácula degradante de “Terra de analfabetos”![14]

Analisando mais detalhadamente a citação acima, há que se considerar toda a estrutura discursiva do livro do memorialista no que se refere ao rural e ao homem campesino. Como já vimos anteriormente, o homem campesino é representado como incivilizado, inculto e etc. Portanto, quando o memorialista escreve que “a sociedade se primava pela distinção”, significa que havia a segregação espacial do que era considerado erudito e civilizado do aspecto considerado incivilizado, “medíocre”, nas palavras do memorialista.

Percebe-se que o memorialista busca em seu discurso uma referência ao Iluminismo francês quando diz que “as luzes se apagaram para dar lugar à mediocridade”, sendo as luzes em questão os eruditos, e os medíocres os analfabetos vindos do campo. Ainda analisando o discurso do memorialista, os analfabetos seriam uma doença que colocariam em risco a distinção social, e que deveria ser neutralizada por aqueles que têm o direito sobre a cidade: os letrados.

Esse descontentamento em relação aos homens campesinos deixa transparecer uma questão que é paradoxal à própria memória oficial do município: ele não era uma Atenas como se difundiu. Quando os homens campesinos começam a ocupar os espaços consagrados pelas elites letradas, eles passam a ser descritos pelas mesmas. Ainda que representados de maneiras pejorativas pelos memorialistas, os homens campesinos demonstraram com seu deslocamento para a cidade que eles sempre estiveram presentes em Camanducaia, porém eram excluídos da sua memória oficial.  



 Referências Bibliográficas



BARROS, José D’Assunção. “Cidade” e “Cultura”—considerações sobre uma relação complexa.  Revista de História Regional, Vol. 16, nº 1, (2011), p. 101. Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/view/2399.  Acesso em  29 de agosto de 2012.
KHOURY, Yara Maria Aun. PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo. A Pesquisa em História. 5ª Edição. São Paulo: Editora Ática, 2008.
PORTELLI, Alessandro. O Massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito e política, luto e senso comum. In: Usos e Abusos da História Oral. Organizado por: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína. 5ª Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002.
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.









[1] Linha de Pesquisa: Espaço e Sociabilidades
[2] Antes de se chamar Camanducaia, o município chamava-se Jaguary.
[3] DIAS, Edmar Cassalho Moreira. Entrevista com o presidente da Câmara, Edmar Dias. Gazeta do Vale. Cambuí, edição especial, p. 6, Julho 2011. Entrevista concedida a Luís César Fonseca.
[4] Idem.
[5] CAMPOS, Servando de. Parabéns Camanducaia. Jornal Folha de Camanducaia. Camanducaia, ano III, nº 22, Junho-Julho/1994, p. 01.
[6] GAYER, Plinio. Anuario Jaguary.  Jaguary: 1924,  p. 63.
[7] Idem. p. 57
[8] Id., Ibd.
[9] Quando nos referimos à cultura caipira, não fazemos alusão a estereótipos preconceituosos como tanto se difundiu no cinema brasileiro, na literatura e também no senso comum. Entendemos a cultura caipira como resultado da mistura cultural entre o homem branco com o índio. O caipira neste sentido, é o sujeito que mescla nas suas práticas cotidianas e representações de mundo aspectos remanescentes do homem europeu com o nativo brasileiro. Podemos encontrar  tais aspectos híbridos na culinária, na prática agrícola, na língua, nas religiões, na dança, na música e etc. Para saber mais, ler: RIBEIRO, Darcy. O Brasil Caipira. In: O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
[10] SANTOS, Benedito Silva. Fragmentos da História de Camanducaia. Camanducaia, 1968, p. 241.
[11] SANTOS, Benedito Silva. Fragmentos da História de Camanducaia. Camanducaia, 1968, p. 303.
[12] Idem., p. 206.
[13] Id., Ibd., p. 25.
[14] SANTOS, Benedito Silva. Fragmentos da História de Camanducaia. Camanducaia, 1968, p. 252.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A SAÚDE EM CAMANDUCAIA- ÚLTIMA PARTE

A SAÚDE EM CAMANDUCAIA (ÚLTIMA PARTE)


O PRONTO ATENDIMENTO
Por: Danilo Antonio dos Santos

Para iniciar, vou deixar a fala do Provedor, Sr. Manoel, em que ele faz um breve resumo do papel e das limitações do Pronto Atendimento aqui em Camanducaia:

MANOEL GARCIA: “O plantonista, como diz o nosso convênio, é para emergências. E 90% das consultas, você pode até olhar em nosso relatório, são ambulatoriais, são consultas triviais. [...] Agora, o hospital não pode negar atendimento; tem de fazer. [...] E esse atendimento desse médico nesse instante, é para emergências, não é para consultas de rotina. Consultas de rotina têm de ser feitas nas Unidades Básicas de Saúde (UBS’s). Obviamente que num sábado e domingo, que se não tiver lá (atendimento na UBS), vai no hospital e tudo bem, e mesmo assim, existe essa triagem também (Código de Manchester que já explicamos).”

Sobre a falta de médico:

MANOEL GARCIA: “Como resolver esse problema? Indiscutivelmente que a resposta é muito fácil: é dinheiro. Médico não trabalha de graça. Dinheiro e muito dinheiro. Então, essa que é a nossa explicação pelo que aconteceu e que vai continuar acontecendo."

GESTÃO

MANOEL GARCIA: O hospital é uma entidade filantrópica, particular. Não é da prefeitura e nem do governo. 55% da Saúde, dado estatístico do governo, está em mãos das santas casas de misericórdias do Brasil inteiro. Esse montante já prova que a cidadania se apóia muito nas santas casas, em que as pessoas podem colaborar, ajudar, enfim. Esse dinheiro (160 mil referente ao convênio com a prefeitura), como que ele é distribuído? A prefeitura, ela mantém um convênio com o hospital de Pronto Atendimento Emergencial. A responsabilidade do hospital, em relação ao Estado, que é representado pela prefeitura, refere-se então a um Pronto Atendimento Emergencial. Tudo o que é feito além disso aí, tratamento de doenças, internações, a parte de Traumatologia, a parte de operações e clínica geral que o hospital faz, é tudo como um complemento que o hospital faz para ajudar a população pobre, a população carente a quem usa o SUS. Não é pra gente que tem dinheiro. Então, a instituição tem de ver isso aí, é o tratamento de pessoas com pouco recurso. É essa que é a idéia da instituição. Então, esse dinheiro que especifiquei, é para o Pronto Atendimento Emergencial. O resto é tudo por conta. [...] Nós temos um repasse de 160 mil mensais e o hospital nos custa 260 mil por mês. Esses outros 100 mil Reais são obtidos através do SUS, que a gente paga consultas de médico, curativos... Mias os atendimentos que são baseados nos convênios particulares. Porque muitas pessoas têm convênios nas fábricas onde trabalham. Então o hospital utiliza esse convênio, o qual para o hospital é interessante esse convênio porque o convênio ele paga duas ou três vezes melhor que o SUS.”

Aqui podemos perceber a importância dos convênios particulares que as firmas pagam. Por isso é interessante também, cobrarmos por parte dos nossos representantes, atração de empresas que disponibilizam esse serviço. Não podemos ceder terrenos a empresas que não cumpre metas que venham a beneficiar a cidade. Uma empresa que paga um bom salário aos seus funcionários, de certa forma contribui não somente com a economia local, já que operário ganhando bem, consome bem, mas também principalmente estará desafogando o hospital em relação à sua condição financeira. Isto significa maior recurso financeiro que resultará na contratação de mais médico e na compra de novos aparelhos.

Mais adiante, o Sr. Manoel me explicou que para quem paga os convênios, são reservados quartos particulares. Mas também ressaltou que pessoas que não pagam convênio utilizam quartos particulares em casos de doenças epidemiológicas, contagiosas, em situações que não se pode misturar com pacientes das enfermarias. Mesmo a pessoa não tendo recurso financeiro, o hospital não se nega a prestar esse serviço, se caso necessário.

Outro ponto interessante que foi discutido na reunião, junto ao prefeito e ao provedor, foi a importância dos convênios conjuntos entre 53 cidades. Nesses convênios, cada município contribui com uma porcentagem, que eles chamam de Fundo de Participação Municipal (FPM). No caso, esses convênios servem para que os casos de doenças ou tratamentos que não têm condições de serem resolvidos aqui na cidade por falta de médicos e estruturas específicas. Como bem disse o Sr. Manoel, aqui não temos condições de tratar casos de câncer, por exemplo. Aí o município encaminha esses pacientes aos municípios conveniados e que tem estrutura melhor do que a nossa.

BREVES SOLUÇÕES DISCUTIDAS NA REUNIÃO

Como é muita informação, estou enxugando ao máximo o meu texto para lhes transmitir as principais questões. Na reunião, discutimos brevemente sobre o que NÓS podemos fazer para melhorar a Saúde em Camanducaia. Eu digo “nós” porque isso não é uma responsabilidade apenas dos políticos. Como bem expus em tópicos anteriores e também neste post, o poder municipal e o hospital têm limitações para agir. E entre essas limitações, é óbvio que a principal é a financeira. Como bem sabemos, vivemos em um país no qual o governo corta recursos da Saúde para investir em estádios de futebol e nós acabamos pagando o pato (não o do Corinthians). Pagamos o pato e ainda bateremos palmas no ano que vem por este pão e circo.

Pois bem, na reunião, o vereador Leandro do Jaguary nos apresentou uma idéia de sua autoria. Ele fez um levantamento de quantas unidades consumidoras de energia elétrica há em Camanducaia e chegou ao resultado de +- 11 mil. Se cada unidade contribuísse com 5 Reais, daria 55 mil. O Sr. Manoel disse que com esse dinheiro, poderíamos contratar dois médicos, entre eles, um obstetra, ou seja, as mulheres poderiam dar à luz aqui. Poderíamos ter um médico fazendo atendimentos ambulatoriais e outro médico fazendo atendimento emergencial. Essa idéia do vereador está no papel e está sendo analisada por todos os vereadores. Por enquanto é só uma idéia. Há muito o que se discutir ainda, como por exemplo como a população vai acatá-la. Para quem quiser saber mais, procure o vereador citado.

Eu, sinceramente, antes era contra a cobrança na taxa de luz em benefício à Saúde, mas depois da reunião na qual pude ter conhecimento de como é gerido o hospital, passei a ter uma opinião contrária. Como disse acima o Sr. Manoel, o hospital nos presta serviços que vai além do que pagamos a ele. Portanto, nada mais justo do que começarmos a pensar em como ajudá-lo. O provedor, pelo que pude perceber, é um excelente administrador, presta conta mensalmente a todos nós por intermédio da Câmara. Por isso vale a pena sim mantermos o convênio e colaborar. No próprio facebook ando lendo idéias de comerciantes que se disponibilizam a colaborar de diversas formas. Os próprios vereadores, que erroneamente eu pensava não estarem por dentro dos problemas, eles estão agindo. Segundo o próprio provedor, os atuais vereadores são irmãos da Santa Casa e participam das reuniões. Por isso o provedor faz questão de prestar conta de tudo e não somente ao que se refere ao convênio com a prefeitura.

O prefeito também se reúne semanalmente com todos os secretários paa discutir os problemas e soluções, principalmente para a Saúde. Está tentando mais recurso do Estado e também maior proveito dos convênios municipais. O prefeito não tem a liberdade de aumentar o repasse do atual convênio porque tem limitação orçamentária amparada por Lei. Isso quer dizer que ele não pode ficar alocando recursos de uma pasta para a outra quando lhe der na telha, assim como o vereador também não tem flexibilidade para criar projeto de Lei que venha alterar em demasia a parte orçamentária.

Bom, espero que vocês tenham gostado do blog. Devemos colocar este assunto mais vezes em pauta. Gostaria de agradecer a todos e a todas que estiveram presentes na reunião. Gostaria de me desculpar aqui e publicamente com o médico Mazinho pela primeira matéria que fiz. Como absorvi um pouco das emoções populares, acabei reproduzindo o que as pessoas me disseram naquele dia, sem eu ter real conhecimento do que havia se passado.
Obrigado a todos pela atenção! 

     

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A SAÚDE EM CAMANDUCAIA- PARTE 3

A SAÚDE EM CAMANDUCAIA (PARTE 3)

Por: Danilo Antonio dos Santos


O HOSPITAL E O SUS

No tópico anterior, mostramos um pouco da turbulência financeira pela qual o hospital passou por mais de uma década. Quase chegou à falência, se não fosse a ajuda do município, que deixou de finalizar um prédio para alocar recursos para a Santa Casa. Bom, agora vou falar um pouco de como o hospital se mantém e do papel do SUS.
Tanto o governo Federal como o governo Estadual, repassam migalhas para os municípios, porém exigem dos municípios uma porcentagem em investimento em Saúde que na maioria das vezes não condiz com a realidade orçamentária. Em um município como o de Camanducaia, que ainda não se desenvolveu economicamente, ficamos muito a mercê de poderes superiores, principalmente na questão da saúde pública. Como dissemos no tópico anterior, o município de Camanducaia não conseguiria manter um hospital por conta própria, pois isso significaria aumentar a folha de pagamento, além de comprar toda a aparelhagem. Isso custa caro e a realidade orçamentária de Camanducaia deixa a desejar neste sentido. Infelizmente é assim. Portanto, é bom você saber disso para não cair naquelas propagandas eleitorais nas quais os políticos prometem o impossível. Mas logicamente que os problemas com a saúde não podem ser creditados apenas à questão financeira, mas também a questão da gestão. Mesmo com baixos recursos, se tivermos uma boa gestão podemos ter uma saúde pública de qualidade. Como bem disse o prefeito Edmar Dias, até certo ponto é financeiro, mas depois o problema pode ser por gestão. Por isso é importante obtermos informações, conhecimentos dos problemas, para criarmos soluções. Isso é o que estamos tentando fazer com estas publicações no blog.
Bom, vamos falar do SUS e o hospital. Sobre isso, posso dizer a vocês que os atendimentos pelo SUS aqui em Camanducaia são sempre deficitários. O hospital sempre atende mais do que o SUS paga. Como exemplo do problema, citarei a vocês um relatório do mês de maio. Lembrando que o atual provedor manda um relatório bem detalhado todo mês à Câmara Municipal. Os vereadores têm acesso aos dados tanto técnicos quanto financeiros de tudo o que  o hospital faz, inclusive com o dinheiro que não é proveniente do convênio municipal. Só para vocês terem uma idéia, o relatório que tenho em mãos tem 12 páginas. É do botar inveja em qualquer prestação de contas que estamos acostumados a ver. O relatório se inicia com a seguinte informação:
“O hospital continua a produzir pelo SUS além da cota física e orçamentária.”
Mais adiante:
“(Consultas no Pronto Atendimento) foram realizadas em maio 2.309 consultas (cerca de 76 por dia) sendo 1.839 pelo SUS, ou seja, 1.239 a mais do que previsto na PPI. Se considerarmos o seu valor unitário médio previsto no sistema do SUS (R$ 11,00) a entidade deixou de receber R$ 13.629,00. A maioria deste excedente são consultas que poderiam ser realizadas nas UBS’s.”
Como podemos perceber, a maioria dos atendimentos passa pelo SUS, mais até do que o governo repassa. Isso gera déficit porque o hospital não nega atendimento, seja você pobre ou rico. Por isso é bom termos bom senso e conhecimento. Digo bom senso porque há muitos casos de pessoas que faltam ao serviço porque bebeu demais na festa do dia anterior, e vão ao hospital pegar receita para justificar a falta. Isso, além de caracterizar péssimo hábito, onera ainda mais uma entidade que tem como fim salvar vidas em casos emergenciais. Se você vai lá pegar atestado, você usou repasse do governo que poderia estar beneficiando quem realmente precisa. Por isso, vá ao hospital quando realmente for necessário.
Dando continuidade ao relatório:
“Nos itens 2 e 3 destacamos a realização de procedimentos gerados pelo Pronto Atendimento, cuja maioria extrapola a quantidade prevista na pactuação com o SUS. Para alguns deles nem existe pactuação, como é o caso de aplicações de medicação (1.681 aplicações), inalação (151 realizadas) e curativos (61 realizados), que no custo médio de R$ 5,32 perfazem um montante de R$ 10.070,76 que não foi recebido.”
Caso vocês queiram ter acesso ao relatório, basta irem à Câmara e solicitarem uma cópia. Minha intenção aqui é mostrar a vocês a questão da falência do SUS não só em Camanducaia, mas posso dizer que no Brasil todo. Por isso é de fundamental importância todos na sociedade pensar em idéias e sugestões. Eu iria falar aqui das UBS’s e da sua importância para amenizar o problema deficitário em relação aos atendimentos no hospital, mas isto vou investigar em um momento oportuno. Não podemos dissertar sobre um tema sem antes investigá-lo.
Para finalizar este post, citarei as notas importantes do relatório:
“Mais de 60% dos atendimentos não são de urgência ou emergência e poderiam ser resolvidos nas unidades básicas de saúde (UBS).
Apesar de manter um pediatra para dar suporte ao Pronto Atendimento, a produtividade gerada (21 atendimentos) não é recebida.
Boa parte dos curativos, inalações e aplicação de medicação são realizadas em dias e horários em que as UBS não funcionam.
Procedimentos como medir pressão arterial e glicemia capilar também não são remunerados.”
No próximo post, falarei sobre os problemas relacionados à falta de médicos e sobre o papel do Pronto Atendimento. Obrigado a todos pela atenção! Abaixo, deixo uma ilustração do caos que aqui resumi.