terça-feira, 11 de novembro de 2014

GENTIL FARIA DIAS E A LUTA PELA CIDADANIA EM CAMANDUCAIA/MG

Por: Danilo Santos

Gostaria de advertir aos leitores que este texto não é uma biografia. Para que fosse uma biografia, eu precisaria de várias fontes as quais não tive acesso, como documentos familiares, por exemplo. Minha intenção é discutir a luta pela cidadania em Camanducaia, tendo Gentil Faria Dias como um dos sujeitos históricos muito citado por homens e mulheres, que, em suas memórias, narram como saíram de situações marginalizadas e conquistaram direitos políticos e sociais. 

Em outubro de 2011, realizei uma entrevista com Gentil Faria Dias para o meu Trabalho de Conclusão de Curso, 35 dias antes do falecimento do entrevistado. Eu estava escrevendo sobre o Bairro do Cruzeiro, um dos bairros suburbanos da cidade. Na ocasião, as memórias de Gentil Faria Dias me interessavam para que eu pudesse compreender os fatores sociológicos e históricos que levaram homens e mulheres do campo a se deslocarem definitivamente para o meio urbano. Como Gentil Faria Dias fora um sujeito ativo, ou seja, mais do que uma testemunha desse processo histórico, suas memórias são de grande importância para a história do município.  Para quem quiser ter acesso ao meu trabalho, poderá baixá-lo neste link: 


Este trabalho também está disponível para empréstimo na Biblioteca Municipal. 

É impossível falar de Gentil Faria Dias sem antes falar sobre os sujeitos históricos aos quais o político sobrevive na memória coletiva, memória não documentada em livros, mas sim transmitida pela tradição oral. Falo aqui dos homens e mulheres do campo, em sua grande maioria analfabetos e excluídos pela história oficial. Acredito que o leitor nunca tenha encontrado em nenhum livro de história do município esses homens e mulheres do campo. Encontramos biografias dos homens eruditos e poderosos, mas raras vezes encontramos algum fragmento sobre os homens que eram responsáveis pela produção e fluxo de mercadorias, numa época em que rodovias ainda eram um projeto utópico. Quando você ler um livro de história de Camanducaia, faça um esforço de reflexão e pergunte ao autor do livro onde estão os homens que reviram a terra e a semeiam. Pergunte ao autor onde estão os homens que abasteciam a cidade com frutas, legumes, carnes e leite. Pergunte ao autor onde estão os homens que viajavam grandes distâncias e por longos dias, transportando mercadorias em lombos de burros e mulas. Além dessas perguntas, como será que esses sujeitos foram representados pela história oficial? Bom, ao leitor mais curioso, indico este meu artigo: 



Esses homens que viviam no campo eram destituídos de direitos sociais e políticos. Enquanto nas décadas de 1930 e 1940 os trabalhadores urbanos eram contemplados pelas leis trabalhistas (CLTs) durante o Estado Novo, os trabalhadores rurais eram relegados ao esquecimento. Não tinham direito ao voto e não tinham a terra. Trabalhavam para o fazendeiro, sujeito que ditava as leis do mundo rural. O leitor já deve ter ouvido de uma pessoa mais idosa a frase: "Meu filho, eu fui colocar o primeiro sapato no pé quando eu tinha 18 anos." É uma frase que de princípio não parece muito significante, mas se aprofundarmos mais na compreensão da história do Brasil, é uma frase que sintetiza muito bem os problemas sociais do passado e seus resquícios no presente. 

Nas Décadas de 1950 e 1960, o processo de desenvolvimento industrial faz com que aumente a atração pela cidade. A urbanização atrai pessoas que vivem no campo, que, em busca de melhores condições de vida e trabalho, deslocam-se para as cidades procurando empregos na construção civil, comércio, indústria e trabalhos informais como diaristas. Em Camanducaia esse deslocamento se deu com outra especificidade. As pessoas começaram a migrar para o Estado de São Paulo. Os campos e as cidades começam a perder mão de obra. Alguma medida havia que ser tomada para que os trabalhadores não deixassem o município. É aí que se inicia o processo de formação dos subúrbios e é aí que é relevante citarmos Gentil Faria Dias. 



Homem com grande conhecimento das difíceis situações dos trabalhadores rurais, Gentil Faria Dias estudou até a 4ª série. Aprendeu a ler catando recortes de jornais pelas ruas. Não era um homem letrado e por isso desenvolveu uma impecável consciência de classe junto à população mais pobre, tanto do meio urbano como do campo. Homem de fala simples, compreendido pelos semelhantes, como ele dizia: "Eu era um caboclo do mato". Homem simples no falar, sem nenhum diploma acadêmico, mas com grande inteligência política, sujeito moldado na escola da vida. 

Quando os camponeses, sem destino, começaram a deixar o campo, encontraram em Gentil Faria a esperança de uma vida melhor. Quando prefeito, nas décadas de 1960 e 1970, Gentil Faria Dias passa a doar lotes na cidade aos homens expulsos do campo. Aos que tinham alguma condição financeira, pagavam o lote com pequenas prestações. Os que não tinham condições financeiras, além do lote eram auxiliados com materiais de construção para as casas que iam se levantando no bairro do Cruzeiro e demais bairros suburbanos da cidade. Além das moradias, os trabalhadores conseguiam empregos na construção civil, afinal, as ruas da cidade precisavam ser calçadas e novos prédios eram construídos. Os filhos desses trabalhadores analfabetos passam a frequentar as escolas. 

Logicamente que não devemos olhar esse processo com um olhar inocente. Devemos levar em consideração o contexto histórico da época, contexto no qual se insere o fenômeno conhecido como "populismo". O populismo se caracteriza pela aproximação do governante às massas de trabalhadores urbanos, tendo como elementos de trocas o voto ao governante e os benefícios sociais e políticos ao "povo". Mas na minha opinião, seria muito maniqueísmo considerarmos o populismo de Gentil Faria Dias como uma prática pejorativa ao processo de constituição da cidadania em Camanducaia, pois estamos falando de um homem que não tem uma origem oligárquica do poder e sempre levou uma vida simples como os trabalhadores para os quais governou. Homem odiado e perseguido pelas elites, adorado pelos pobres. Assim como os camponeses, foi um homem excluído pela história oficial. Nesse sentido, seria muito simplista considerar as ações de Gentil Faria enquanto político, sem considerar a sua condição de sujeito da classe trabalhadora e com uma forte consciência de classe; condições as quais devem ser levadas em conta ao fazermos uma leitura da sua vida política. 

Aos moradores mais velhos do bairro do Cruzeiro, por exemplo, moradores entrevistado por mim durante a minha pesquisa, Gentil Faria Dias é citado como o político que lhes deu condições melhores de moradia, lhes proporcionou o direito de voto, trabalho formal, educação para os filhos e cuidados com a saúde. A memória coletiva desses moradores se divide pelo antes e depois da vida na roça. Na roça, sem direito à terra, sem direito ao voto, sem boas condições de saúde e com altas taxas de mortalidade infantil. Tudo isso muda quando se deslocam para a cidade e vão à procura de Gentil Faria Dias. É quando passam a se ver como "cidadãos". 

Gentil Faria Dias nasceu em 1915 e morreu no dia 15 de novembro de 2011. Morreu em sua casa, à maneira de um caboclo que teve a certeza que cumpriu o seu papel, deixando como legado na memória coletiva do povo mais pobre as lembranças de um passado de luta pela conquista da cidadania. Uma luta que nunca se encerra, desde que haja homens como Gentil Faria Dias para carregar a sua bandeira. Um caboclo do mato que tem o seu nome esquecido pelos livros eruditos da história, mas eternamente impresso na memória dos homens que escrevem a contínua luta do Brasil por igualdade social. 




7 comentários:

  1. Olá Danilo Santos, tudo bem ?

    Sou um dos responsáveis pelo site Cadê Camanducaia (www.cadecamanducaia.info), e percebí que você costuma escrever sobre assuntos que envolvem Camanducaia. Gostaria de divulgar o seu blog no nosso site. Caso você se interesse, por favor, entre em contato através do seguinte e-mail: contato@cadecamanducaia.info

    Aguardo retorno,

    A Direção.

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  2. Gratidão, pelo seu trabalho, e por trazer a memória deste ser tão querido que faz parte do meu ser,
    com tamanho respeito.

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  3. Danilo, parabéns pelo blog!. Dignas são as pessoas do passado deste lugar aqui reverenciadas por você. Essa atitude, conforta a alma dessas pessoas, e, é bom ser sempre lembradas, pois, fizeram a história da Cidade de Camanducaia. Eu tive a honra de ter sido amigo pessoal de Ivan Casasanta Dantas/Dr (1925/1995) - Advogado, Jornalista e Historiador de Cinema - natural de Camanducaia, de família distinta, cujo sobrenome "Dantas", foram pioneiros na área de "Educação" em Minas Gerais. Dr.Ivan, trabalhou no Sesc em BH, onde deixou saudades. Foi sepultado em Pouso Alegre, em 24 de Fevereiro de 1996.

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  4. Palavras se esvai. Escrita fica. 0 agradecimento é tardio. Não importa o tempo, importa isto sim o que sentimos.A gratidão é o princípio de que estamos presente em seu blog. Atento aos fatos narrados de nossa terra.Memorizando deixei minha presença nessa comunidade.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Sou sobrinho Neto do Gentil de Faria Dias e só conhecia um pedacinho da história do meu tio que me foi contada por meu pai, sobrinho do Gentil.

    Obrigado Danilo, pois através de seu post pude conhecer um pouco mais sobre meu tio.

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  7. Gentil faria meu bisavô homem de palavra igual ele nunca mais vi

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